terça-feira, 11 de junho de 2019

Vida


Tudo é fragilidade. O amor que não diz bom dia, uma paixão que se torna póstuma, o instante de queda diante de uma dança que dilacera o vestido e o pudor, amputando a plenitude das promessas, a palavra mal dita, maldita palavra, a erva dos rancores que infiltra seu veneno sem pressa, e sem falha, o amigo que se distanciou, pois, finitos, foram os interesses comuns, o quarto vazio, inerte, os filhos que emudeceram, ocupados demais com a própria vida, a lua nova que nadava nua na memória, e nem surge mais, pois, já nem há lua, nem mar, nem céu, de arcaica que se tornaram as imaginações, a cara de mistério que mistério não é mais. Os pais, que partiram, a orfandade interminável, as unhas de sal, as flores no jardim. Tudo é fragilidade.

Nada que proteja é ancora. Tudo é essa fragilidade. O tédio das coisas e dos desejos, que se instala em desaforos cotidianos; as rezas sem fé, ou perdão, rezas de pagã, as cartas que não são enviadas, ou que chegam tardias, a tribo em que me sitio, o crepúsculo, a melancolia das rodas do carro de boi, as províncias da vaidade que ocupamos feito bárbaros insaciados, o amor, outra vez, que não diz bom dia, os nômades, que não fazem pouso, nem raiz. Os reveses mutantes. Tudo é fragilidade.
As porteiras de palha dos afetos, os que crucificamos em nosso santo nome, as notas erradas de uma canção, as delicadezas hesitantes, que não cometemos, os dizeres que não dizemos a todos os outros, pecando, erradamente, mais por falta que excesso, a reinvenção que não é feita.
O corpo, a mente, a alma, a finitude. Tudo é fragilidade. Tudo é poeira de ossos e fragilidades.
E, no entanto, sempre, é preciso o milagre. Que só você faz.

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