Há pouco mais de uma semana, Mauricio de Sousa assistiu pela terceira vez ao filme Turma da Mônica: Laços. Ainda assim, ele se emocionou como se fosse a primeira. 
Ao
 lado da mulher e dos filhos, o cartunista chorou quando os créditos 
subiram na tela de um cinema em São Paulo há uma semana e a sala lotada 
aplaudiu de pé o primeiro longa-metragem com atores do universo que ele 
criou, que estreia nesta quinta-feira, 27 de junho.
"Fazer o filme
 era uma ideia antiga, e ali caiu a minha ficha de que havia realizado 
esse sonho - e com categoria, do que jeito que eu queria", diz Mauricio à
 BBC News Brasil.
O longa é baseado na graphic novel Laços,
 a primeira parte de uma trilogia em quadrinhos escrita e ilustrada 
pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, lançada em 2013. O volume é parte de 
uma linha mais autoral com personagens da Turma da Mônica.
Na
 história, o cachorro de Cebolinha (Kevin Vechiatto), Floquinho, 
desaparece e ele tenta encontrá-lo com a ajuda de Mônica (Giulia 
Benite), Magali (Laura Rauseo) e Cascão (Gabriel Moreira).
Mauricio
 viu, já naquela época, o potencial daquele trabalho. "Queria fazer um 
filme, mas não tinha achado uma história que me impressionasse. Quando 
li o roteiro de Laços, vi que era uma história bonita e com uma trama boa. Falei na hora: 'Isso é um filme'."
Uma produtora procurou o cartunista para adaptar Laços
 para as telas, e Mauricio sugeriu fazer um longa com atores. "Tinha 
dúvidas se crianças aguentariam o rojão e teriam a disciplina 
necessária, até que o Daniel Rezende propôs ser o diretor."
Este é o segundo longa de Rezende, que dirigiu Bingo: O Rei das Manhãs (2017) e se destacou internacionalmente como montador, com uma indicação ao Oscar de melhor edição por Cidade de Deus (2002).
Foram
 seis meses para escolher as crianças que dariam vida aos protagonistas,
 entre as 7,5 mil candidatas. O diretor selecionou dois quartetos e 
pediu a opinião de Maurício e sua equipe antes de fazer a escolha final.
            
            
        
"Os quatro selecionados já eram a Turma da Mônica 
mesmo antes de serem escolhidos. Eles ficaram muito amigos durante os 
testes, brincavam, eram alegres, descontraídos, espertos, inteligentes. 
Pensei: 'Ah, são esses'. E não deu outra. Meu medo de que crianças não 
conseguissem dar conta foi por água abaixo", diz Mauricio. 
Mônica
 Sousa, filha de Mauricio e inspiração para a personagem que leva seu 
nome, diz que estava curiosa, mas também um pouco apreensiva antes de 
assistir ao longa pela primeira vez. 
"Eu pensava: 'O que será que
 eu vou ver? Será que deram conta de transportar esses personagens para o
 mundo real?'. No fim, foi algo mágico e emocionante. Nunca esperei que 
isso pudesse acontecer." 
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| A história em quadrinhos 'Laços' serviu de base para o filme | 
Laços é o 19º longa-metragem do estúdio 
Mauricio de Sousa Produções - os demais filmes foram produzidos desde 
1982 e todos em animação, com alguns sendo exibidos nos cinemas. Mas, 
desde 2007, um filme da Turma da Mônica não entrava em cartaz, o que 
torna ainda mais importante um trabalho que já tem um significado 
especial. 
"É a perpetuação da família de personagens que meu pai criou", diz Mônica.
Mauricio
 diz que o filme abre novas portas e caminhos para um negócio que 
celebra 60 anos de existência neste ano. "Pode significar uma virada da 
empresa para um esquema diferente de produções. Já estamos discutindo 
uma continuação."
Novos personagens com necessidades especiais e protagonistas negros
Mauricio
 iniciou sua carreira como cartunista em 1959 no jornal Folha da Manhã, 
com uma tirinha sobre o cachorro Bidu e seu dono, Franjinha. 
Depois,
 vieram Cebolinha, Cascão e outros personagens, até seu criador ser 
questionado sobre a ausência de figuras femininas em seu trabalho. Foi 
quando surgiu a Mônica, em 1963.
Hoje são 440 personagens, um 
número que continua a crescer. Muitos dos novos personagens buscam 
promover a inclusão de crianças com necessidades especiais, como Edu 
(distrofia muscular), Tati (síndrome de Down), Luca (cadeirante), 
Dorinha (deficiente visual), Igor e Vitória (soropositivos) e André 
(autismo).
"Eles têm o papel de divulgar por meio das histórias 
mensagens que sejam esclarecedoras sobre crianças que têm essas 
condições. Se pudermos fazer alguma coisa para ajudar, temos de fazer", 
diz Mauricio.
Outra criação recente foi Milena e sua família - o 
primeiro núcleo de personagens negros a entrar para o rol de 
protagonistas. Mauricio já havia criado outros personagens negros, como o
 Jeremias e Pelezinho, mas faltava um principal, "talvez pela falta de 
conhecimento sobre os problemas que os negros enfrentam em diversas 
fases de sua vida", segundo o criador.
"Recebemos várias mensagens de pessoas dizendo que agora estavam se sentindo representadas pela Turma da Mônica. Isso é lindo."
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| Milena e sua família são o primeiro núcleo protagnista de personagens negros da Turma da Mônica | 
Mauricio
 afirma que a criação destes personagens envolve um grande trabalho de 
pesquisa e consulta para não levar para as páginas dos quadrinhos  
"algum tipo de preconceito que às vezes, sem querer, a gente assimila". 
Ele
 também explica por que personagens que representam minorias e com 
perfis diferentes não fizeram parte de suas criações no passado.
"Eu
 me distraí por algum tempo e me esqueci que, na minha turminha de 
crianças nas ruas de terra de Mogi das Cruzes, onde cresci, tinha amigos
 portadores de deficiências, de outras etnias. Por que não incluir se 
isso faz parte da vida de todo mundo? E não vai parar por aqui", diz 
ele.
Seu filho Mauro Sousa, que é gay, afirma que um personagem 
com esse perfil também está nos planos. "Estamos conversando há alguns 
meses sobre isso, mas ainda é algo bem cru e que estamos planejando 
bastante para entender como seria, de que turma faria parte, como seria 
divulgado."
            
            
        
Mauricio também é cauteloso e diz que este tipo de 
personagem ainda não está sendo criado, mas diz que isso "sem dúvida" 
vai ocorrer em algum momento. "Essa possibilidade depende dos nossos 
leitores aceitarem numa boa, sem haver nenhum tipo de comoção. Vai ser 
na hora e no tempo certo", afirma o cartunista.
Em 2015, Maurício 
disse em entrevista à revista IstoÉ que ainda não era o momento de 
tratar nos gibis de um tema como a homossexualidade, porque a sociedade 
não estava pronta para isso. Mudou de ideia?
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| Perosnagens como Tati (esq.), Dorinha e Luca ajudam a esclarecer sobre as condições de crianças com necessidades especiais, diz Mauricio | 
"Eu não mudei. O 
mundo está mudando. Veja as marchas que estão acontecendo, com pessoas 
assim cada vez mais aceitas e compreendidas e participando de uma 
revolução social", diz Mauricio.
            
            
        
"Não somos nós que estamos criando, é a sociedade. 
No momento em que o mundo estiver esclarecido para esse tipo de 
situação, será o momento de botarmos na nossas histórias gays ou 
transexuais. Estou aguardando essa evolução."
No entanto, ele diz 
que não se trata de se curvar ao politicamente correto e que isso não 
deve ser uma preocupação. "Um profissional que trabalha com criação acha
 uma saída. Se não pode usar uma palavra ou situação por causa do 
politicamente correto, busca outro caminho. Um criativo não pode se 
acovardar nem fugir dos desafios. Se a sociedade muda e proíbe ou acha 
esquisito isso e aquilo, a gente faz de outro jeito."
Um negócio administrado em família
Aos
 83 anos, Maurício segue à frente de sua empresa, que hoje tem 350 
funcionários e movimenta milhões de reais não apenas com gibis, mas 
livros, desenhos animados, espetáculos, parques temáticos, licenciamento
 de produtos, entre outros projetos.
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| Mônica Sousa, inspiração para a personagem de seu pai, hoje dirige a área comercial da empresa | 
Dos dez filhos de Mauricio, 
três trabalham diretamente ao seu lado, além de sua mulher, Alice. 
Mônica, de 58 anos, é responsável pela área comercial. Mauro, de 32 
anos, cuida dos shows ao vivo e parques. Marina Takeda, de 34 anos, 
administra a parte editorial.
            
            
        
"Meu pai nunca impôs nada para a gente, que devíamos
 ser isso ou aquilo", diz Mauro, que serviu de inspiração para o 
personagem Nimbus. 
Formado em artes cênicas e música, ele 
trabalhou em musicais antes de entrar para a produtora há nove anos ao 
sugerir a criação de um departamento para performances ao vivo. Ele diz 
que trabalhar com o pai foi algo "delicado" no começo. 
"A gente 
precisava entender como seria ele como meu chefe. Tivemos alguns 
desentendimentos no início, o que foi natural e importante para termos a
 relação profissional e de admiração mútua de hoje. Ele é superpresente,
 mas cada vez mais passa a bola para os filhos e nos dá autonomia."
Mônica
 está na empresa há mais de 30 anos. Ela é desenhista industrial de 
formação e diz que não pensava que trabalharia na produtora quando 
começou como vendedora na loja de produtos da marca.
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| Mauro Sousa trabalha com o pai desde 2010 | 
"Talvez com a Marina, que sempre teve talento para 
desenhar, ele tivesse alguma expectativa de que ela trabalhasse na 
empresa, mas nunca foi algo intencional comigo. Fiquei fascinada com a 
parte comercial e fui me especializando e galgando posições."
Ela 
diz que trabalhar com a família nem sempre é fácil. "Temos nossas 
diferenças, principalmente porque eu, meu pai e meus irmãos somos de 
três gerações diferentes, mas foi um aprendizado muito importante."
Mauricio
 afirma que as opiniões diferentes costumam ser resolvidas na conversa e
 que ele, sua mulher e os filhos entendem que é importante estarem 
unidos, para que o negócio não seja prejudicado.
"Algumas pessoas 
falam que não é legal trabalhar com família, que dá crise, fica um 
clima, mas eu não acho. A gente precisa é tomar cuidado para não ficar 
falando de trabalho o tempo todo."
O cartunista continua a dar expediente todos os dias
 e acompanha os projetos desenvolvidos pelos filhos e sua equipe. Seu 
cargo oficial é de presidente, mas ele conta que não resiste a se 
envolver com outras funções na empresa.
"Quando vejo um desenho 
sendo feito, sento, olho, dou palpites, mas não é para vigiar ou pegar o
 lugar do chefe da área, mas porque, modéstia à parte, eu comecei tudo 
isso e conheço todos os processos", diz.
"Adoro vir trabalhar, meu
 estúdio é o lugar mais bonito do mundo. Enquanto tiver condições 
físicas e mentais, vou continuar a vir aqui para bater papo, trocar 
ideias e passar meu conhecimento para todos." (BBC News Brasil)

 
 
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