Segundo a ONU, o mundo poderá voltar a viver um apartheid. Só
que, ao contrário do regime de segregação racial sul-africano da segunda
metade do século 20, desta vez a separação será global, de classes — e
causada pelo clima.
É uma das conclusões do relatório apresentado no Conselho de Direitos Humanos da ONU,
em Genebra, na Suíça. Quem elaborou o texto foi Philip Alston, relator
especial sobre extrema pobreza e direitos humanos. Como especialista
independente, sua missão é averiguar para o conselho como esses temas
estão caminhando nos países mais pobres do mundo. Segundo ele, as coisas
não vão nada bem.
Alston prevê que a crise climática pode arrastar mais de 120
milhões de pessoas para a pobreza já nos anos 2030, jogando no lixo todo
o progresso feito nos últimos 50 anos em desenvolvimento, saúde global e
redução da pobreza. “Corremos o risco de um cenário de ‘apartheid
climático’ em que os ricos pagam para escapar do superaquecimento, da
fome e do conflito, enquanto o resto do mundo sofre desamparado”, diz o
relator.
As implicações que as mudanças climáticas trarão para os
direitos humanos serão imensas, afirma o especialista. Mas a grande
maioria das instituições que zelam pelo tema ao redor do mundo mal
começou a vislumbrá-las. Alguns dos âmbitos que devem ser gravemente
afetados são os direitos à vida, comida, habitação e água. Os impactos
que estão por vir também poderão trazer riscos às democracias.
E os pobres serão os mais castigados. “Perversamente, enquanto
as pessoas na pobreza são responsáveis por apenas uma fração das
emissões globais [de CO2], elas vão carregar o fardo das
mudanças climáticas, e têm a menor capacidade de se proteger”, disse
Alston. Como explica o relatório, populações de países pobres e em
desenvolvimento costumam viver em áreas mais suscetíveis e em moradias
menos resistentes. Elas costumam perder tudo quando são
afetadas por algum desastre. E a inexistência ou ineficiência das redes
de seguridade social dificultam sua recuperação.
Consequências como doenças, destruição de lavouras, aumento no
preço dos alimentos, migrações forçadas em massa, invalidez por
acidentes, mortes: são fatores catastróficos que atingem em cheio as
classes mais baixas. Ainda não estamos no olho do furacão da crise
climática. Neste século, já houve sete vezes mais mortes por desastres
naturais nos países pobres do que nos países desenvolvidos.
De acordo com o relatório, a culpa pela inação para enfrentar
as mudanças climáticas é da falta de liderança governamental e de
comprometimento do setor privado. Mas os órgãos de direitos humanos
também estão sendo complacentes com a questão e precisam começar a
levá-la mais a sério. Alston afirma que a única solução é promover
mudanças estruturais profundas na economia mundial, caminhando para um
modelo verde e sustentável.
A crise do clima é, sem sombra de dúvidas, o maior desafio que a
humanidade já teve de enfrentar. Mas é também uma grande oportunidade
de passar a limpo certos entraves que há séculos impedem o pleno
desenvolvimento das nações. Podemos, por exemplo, passar a
encarar as mudanças climáticas não como obstáculo ao crescimento
econômico, mas como um impulso para transformar esse crescimento. É isso
ou o apartheid climático. (Super Interessante)
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