Se
pudéssemos inventar empregos, teríamos que nos esforçar muito para criar
algo tão pouco satisfatório quanto os trabalhos do início do século 21.
Uma série de reuniões intermináveis que nos fazem esquecer do
nosso próprio nome, e-mails que parecem idênticos àqueles que deletamos
no dia anterior - tudo isso em meio ao burburinho dos escritórios de
design aberto, sem paredes ou divisórias.
Passei os últimos dois
anos pesquisando e escrevendo um livro sobre como melhorar a cultura
corporativa moderna - e o que observei foi um lembrete chocante do que
precisa ser consertado.
Os desafios envolvendo os ambientes de trabalho modernos vão
além das distrações, se traduzindo em algo mais substancial. A Mental
Health Foundation (ONG dedicada à pesquisa da saúde mental) diz que 74%
dos britânicos se sentiram sobrecarregados por estresse em algum momento
do ano passado, sendo o trabalho a principal causa.
Não
é de se espantar. Desde que começamos a checar e-mails em nossos
telefones celulares, a jornada diária de trabalho aumentou em média duas
horas.
Segundo algumas estimativas, funcionários dos quais se
espera que permaneçam online após o expediente passam mais de 70 horas
conectados ao escritório por semana.
Metade das pessoas que fazem horas extras apresentam os níveis mais altos de estresse.
É
por isso que palestras de consultores motivacionais, como Simon Sinek,
parecem ser cada vez mais incompatíveis com a experiência dos
profissionais no ambiente corporativo.
Quando 'por que' não é suficiente
Sinek
ganhou fama e reconhecimento por insistir na tese de que os millennials
precisavam entender o "por quê" do trabalho antes de se comprometerem
com os desafios envolvidos.
"Grandes empresas não contratam
pessoas qualificadas e as motivam, elas contratam pessoas motivadas e as
inspiram", declarou Sinek.
A inspiração, no caso, seria dizer
"por que" eles estavam fazendo o trabalho. Mas está ficando claro que
esse foco singular no "propósito" está criando dissonância e
insatisfação no chão de fábrica.
Profissionais de todas as idades se deparam com um
dos grandes "problemas de primeiro mundo": "Como posso estar trabalhando
nesta nobre organização orientada por propósitos e ainda assim não
estar feliz?"
Um número cada vez maior de empregadores está sendo
alvo de críticas dos funcionários pela disparidade entre o que
prometeram a eles, quando se candidataram à vaga, e a realidade do
trabalho.
Os protestos de funcionários do Google contra assédio
sexual na empresa em 2018, um ano após a denúncia feita por Susan Fowler
contra a Uber, são marcos importantes de uma longa trajetória de
descontentamento no ambiente de trabalho - apesar de haver respostas
grandiosas para a pergunta "por que".
Está cada vez mais claro
que, embora o foco no "por que" do trabalho possa criar uma visão
atraente para um CEO se apoiar, não impede os funcionários de se
sentirem desmotivados em suas mesas.
Parece que é hora de
deixarmos para trás a bravata do "por que" para entrar em uma discussão
relativamente mundana de "como": "Como posso me sentir mais realizado e
menos ansioso no trabalho?"
O poder das pequenas mudanças
Embora
não exista um Steve Jobs para revelar a versão mais nova e sofisticada
do seu emprego, está ficando claro que somos capazes de promover
mudanças no nosso dia a dia, por conta própria, que podem ajudar a
tornar o trabalho menos desagradável.
Uma vez que os profissionais aceitam que o "como" é
importante, muitos se sentem revigorados ao perceber que têm autonomia
para iniciar a mudança. O maior fardo do trabalho para a maioria das
pessoas é o maldito tempo gasto em reuniões. O simples ato de reduzir
pela metade o número de participantes pode ser um ato de misericórdia.
O
banco de investimentos Bridgewater Associates percebeu que reuniões com
menos gente pareciam ser mais eficazes, elevando o nível das
discussões. O desafio, neste caso, é que todo mundo acredita que é na
reunião na qual não se está presente que todas as coisas boas acontecem.
Para provar que esse "medo de estar perdendo algo" era
equivocado, eles começaram a gravar todas as reuniões - e o resultado
foi que ninguém mais reclamou ao ser retirado da lista de participantes.
Há
outras questões: os funcionários estão cada vez mais cientes de que é
comprovado por pesquisas que fazer uma pausa adequada para almoçar de
três a quatro vezes por semana melhora a tomada de decisão e reduz o
cansaço acumulado de sexta-feira que atormenta tanta gente.
Indo mais além, se apropriar da tradição cultural sueca do fika
para dar uma volta e tomar um café com um colega, como parte da rotina,
parece ter efeitos positivos. Nos deixa menos intolerantes com os
e-mails e refresca nossa cabeça à medida que encerramos a jornada de
trabalho.
Na verdade, o proveito de caminhadas pode ser estendido -
às reuniões, por exemplo, que poderiam ser conversas em movimento. A
cientista Marily Oprezzo, de Stafford, no Reino Unido, descobriu que
caminhar melhorou o pensamento criativo de 81% das pessoas que ela
analisou.
Colocar uma nova reunião na agenda pode parecer uma
heresia quando tentamos organizar a semana de trabalho, mas as "reuniões
sociais" estão se tornando populares.
Margaret Heffernan, que foi
CEO de cinco companhias, descreveu a introdução de uma reunião social
semanal em uma das empresas em que trabalhou, nos EUA, como
"absolutamente transformadora" para a cultura corporativa.
Heffernan
observou que incentivar os funcionários a passar um tempo socializando
entre si durante a jornada de trabalho os tornava mais propensos a
cooperar ao longo da semana.
Os ambientes corporativos estão
contaminados pela síndrome da pressa, uma consequência das demandas
implacáveis do trabalho moderno - e o impacto desse burnout (esgotamento físico e mental) pode ser complicado, especialmente para os profissionais mais jovens.
Quando
o trabalho é impiedoso, o foco no objetivo grandioso do "por que"
trabalhamos não vai ajudar, talvez seja hora de cuidar do "como".
*Bruce
Daisley é vice-presidente do Twitter para Europa, Oriente Médio e
África. É autor do livro 'The Joy of Work - 30 Ways To Reinvent Your
Work Culture and Fall in Love With Your Job Again' ("A alegria de
trabalhar - 30 maneiras de reinventar seus hábitos e de se apaixonar
novamente pelo seu trabalho", em tradução livre). (BBC News Brasil)
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