segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Crônica de Segunda

A chácara mal assombrada

A chácara de Caguto, localizada nas margens do lago de Pedra do Cavalo, é um dos lugares mais aprazíveis que conheço e gosto de ir. Mas lá, de vez em quando, aparecem algumas assombrações. Talvez por isso que o cantor Cescé tem ido muito pouco lá, preferencialmente, durante o dia. À noite, ele não vai.

É que certa vez, após uma noitada de seresta, por volta das duas horas da madrugada, a lua cheia prateando a imensidão, todo mundo começou a se recolher para dormir. Ele estava estendendo sua rede na varanda, quando notou, no meio da horta ao lado da casa, um vulto branco, de uma pessoa baixa, com os braços abertos que, vez em quando, balançava para cima e para baixo, lentamente.

A princípio ele pensou que fosse brincadeira minha. E gritou: “Pode parar seu Cristovi. Eu sei que é tu e não tô com medo”. Mas o vulto não estava nem aí. Continuou lá, parado, balançando os braços, para cima e para baixo, lentamente.

Impressionado, Cescé se deitou na rede de modo que pudesse ficar “vigiando” o vulto, que permanecia lá, parado, balançando os braços, para cima e para baixo, lentamente. Como disse o poeta, “o escuro esconde zumbis, lobisomens, e os fantasmas passeiam no quintal”. O cantor foi ficando cada vez mais impressionado, sem poder conciliar o sono, e resolveu ir para dentro do carro.

Entrou no carro, fechou os vidros, travou as portas e rebaixou o banco, mas de modo que pudesse continuar “vigiando” o vulto, que continuava lá, parado, balançando os braços, para cima e para baixo, lentamente. Trancado no carro, sentindo-se um tanto seguro, num calor insuportável, o cantor passou a noite “vigiando” o vulto que continuou lá até o dia amanhecer. Parado, balançando os braços, para cima e para baixo, lentamente.

O dia claro revelou um pequeno pé de bananeira, com duas folhas apenas, que balançavam, ao sabor da brisa de verão, para cima e para baixo, lentamente.

Terror maior sofreu a mocinha que visitava a chácara pela primeira vez. No meio da noite, lua cheia acendendo o lago, ela ouviu um uivo arrepiante. Assustada, perguntou a Caguto: “O que foi isso?” Sem dar muita importância ao fato, Caguto respondeu: “Nada não. É só um filhote de lobisomem que mora aqui perto e que, em noite de lua cheia vem aqui me visitar”. A pobre moça deu um grito, pulou da rede, subiu para o quarto, se trancou e de lá só saiu pela manhã, na hora de ir embora, com os olhos vermelhos da noite insone.

Naquela mesma semana, Caguto viajou deixando a Chácara aos cuidados de Cosminho, o caseiro mais valente que já se viu. Quando retornou, uma semana depois, Cosminho já estava com a família de mala arrumada para ir embora.

-  Mas, por que, Cosminho?

- Tá doido, seu Caguto. Essa casa é mal assombrada.

Disposto a tirar a história a limpo, Caguto pediu a Cosminho que ficasse mais um dia para lhe mostrar a assombração.

À noite, com o terreiro já cheio de gente rezando, velas acesas, uma verdadeira romaria dos moradores da região, Caguto ficou a esperar a assombração que aparecia com hora marcada.

Meia noite em ponto, a janela do andar superior se iluminou e vozes saiam lá de dentro. Foi um Deus nos acuda.

Tudo porque alguém deixou a TV programada para ligar à meia noite e desligar cinco minutos depois.

 NE: Publicada no livro a Levada da Égua ...& Outras Histórias - 2001.

Nenhum comentário: