* Foi bom *
Meus ancestrais maternos, filhos de Garopaba, litoral catarinense, eram gente do mar. Dedicavam-se à pesca da baleia. Naqueles tempos, a cultura puramente extrativa não atormentava todos quantos que, como eles, faziam das águas a fonte do seu sustento.
Garopaba e seu entorno, nos dias presentes, é o santuário brasileiro da baleia-franca, um dos maiores mamíferos existentes. Tal nome, oriundo da sua docilidade, a tornava fácil de matar.
Na primeira década do
século 20, minha avó, ainda menina, brincava no topo de uma elevação às margens
da baia-santuário à qual chamavam ‘Vigia’, vigiando a entrada das baleias. Ao
primeiro esguicho, denunciador da chegada dos cetáceos, descia o morro
correndo, para avisar a boa nova aos pescadores. Em seguida, partiam com armas
e bagagens, para arpoar os indefesos animais.
Dos resultados de tal migração, ainda lembro. Corriam os finais dos anos 40, inícios dos 50. Nosso passadio era a base dos frutos do mar. E, maravilha das maravilhas, inexistindo as preocupações quanto à preservação das espécies, não havia o período de suspensão da pesca, agora conhecido como ‘defeso’. Dava-se então ao luxo, ora crime ambiental, de ter-se à mesa, travessas cheias de ovas de tainha, empanadas. Autêntico caviar brasileiro comido a mancheia.
Por falar em coisas que se foram – quem as viveu, viveu; quem não as viveu não as viverá jamais – lembro-me também das brandas, macias e inigualáveis carnes de vitelo. Chama-se vitelo ao novilho com menos de um ano, mas naqueles tempos, chamávamos vitelo ao bezerro não nascido, ao feto da vaca. À época, vacas prestes a parir eram abatidas numa insensatez que, por ser inconsciente, não guardava remorsos. Muito ao contrário. Os churrascos com carnes daqueles vitelos desmanchavam-se em sabores consentidos os quais, com água na boca, evoco.
Tão saborosas,, como este momento de saudade e meu charuto, ao desfazer-se em cinzas e fumaça.
Cada momento, daquele distante passado poderá ter sido politicamente incorreto, mas que foi bom, foi!
Hugo A. de Bittencourt
Carvalho,
economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos
Menendez & Amerino,
Suerdieck e Pimentel,
vive em São Gonçalo dos
Campos – BA.
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