Fora da lista não tenho salvação. Meus filhos- os dois da lista- dizem que demorei a nascer porque estava anotando o que ia fazer ao trocar o paraíso placentário pelo inferno terreno. O líquido pelo concreto. O dolce far niente pela agenda sufocante. Assim, não sei se foi por parar de fazer o nada em um só lugar e passar a fazer muitas em muitos lugares ou juízo com baixo HD de memória- como acreditava meu pai- que comecei a fazer listas. Certa vez ele disse que tinha medo que eu esquecesse de respirar e caísse duro no chão. Esqueço não, pai. Tá na lista.
Comigo, assim como no jogo do bicho, vale o escrito. Anoto data de compromissos, compras, nome de livros, frases, artigos médicos, em pedaços de papel, ou na parte de trás de folhas de ofício usadas. E senhas. De lojas, e-mail, cartão de milhagem, acesso em hospitais, e o que mais houver.
- Pai, se as senhas são segredos como você anota em uma lista à toa?
- Respondo, irrefutável: a lista é secreta.
-E se você perder?
- Não vão entender a letra.
-Tem razão, pai!
Ah, e a placa do carro. Nunca lembro ao pagar o estacionamento. Depois da terceira vergonha, desisti. Já fiquei semana sem tirar dinheiro no caixa eletrônico ou usar o cartão de crédito. AÍ botei as senhas em uma lista de emergência e guardei. Esqueci onde foi. Botei uma pista na lista para a outra. Pensa que é fácil ser eu? Todo mundo só fala das canas que a gente bebe; ninguém fala das quedas que a gente leva.
Filhos já sugeriram aplicativos com alertas, tablets, agendas, mas não consigo. Só sei levar a vida nesses papeizinhos amarfanhados, de segundo uso. Talvez, eu seja como eles. Só me apavoro quando perco a lista. Aí fico checando datas, o passado, para refazer a lista, porque sem ela é como se o waze da Estação Espacial perdesse a conexão e eu tivesse que me guiar só pelas estrelas.
Não sou eu sozinho. Outros já cometeram desastres pelo mesmo motivo. Napoleão invadiu a Rússia no inverno, Adão aceitou o fruto proibido oferecido pelo ser tempestuoso, o comandante do Titanic afundou, porque estavam sem suas listas em mãos. Eu, como o Cavaleiro, em o Sétimo Selo, de Bergman, que retarda a morte ao jogar xadrez com ela, já me preparo para a indesejada.
- Sou a morte. Vim lhe buscar!
- Hoje? Sinto muito, tá na minha lista não. Nem na página dois. Remarque.
Sou desses, com listinhas em pedacinhos de papel, nos bolsos, na pasta de mão, que às vezes facilitam e em outras me deixam louco. O certo é que ao morrer e pagar a moedinha a Caronte pela travessia do Hades, vou me apresentar ao Capiroto.
- Os fornos foram desligados porque o gás está caro demais, o setor de telemarketing tá sem linha, a sala de funk sem paredão. Vou te devolver, não é possível que seja sua vez.
- Sei que nada sei, mas estou marcado para hoje.
- Oh, Deus, Deus. Que inferno. Onde botei minha lista...?
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