sexta-feira, 19 de maio de 2023

A modernidade, o sexo, e os sentimentos fugazes

A grande ambição do humano é a perenidade da vida ou dos sentimentos. Há, nos tempos atuais, no entanto, uma distância cada vez maior entre intenção e gesto. Acontece que o zeitgeist atual- o espírito do tempo- é o frugal, o passageiro.

Vivemos atormentados pela velocidade e a ambição de viver todas possibilidades de forma feérica e em grandes quantidades, ainda que em detrimento da qualidade das experiências. Esta condição foi multiplicada pelo advento da revolução da internet e suas redes de comunicação, que, ao contrário de nos dar tempo livre - o que se imaginava com o invento do computador - nos tornou presidiários sociais.

A imposição, também, da felicidade permanente, obrigatória - e, agora, comparativa - tem causado efeitos colaterais como a descartabilidade e a incapacidade de sentimentos profundos e perenes. Estamos nos tornando incapazes de relações de longa permanência exatamente porque a superficialidade dos sentimentos não conferem proteção contra os dramas, ressentimentos e disputas - como dizia Nelson Rodrigues - dos casamentos e longos amores. Assim, findamos cada vez com mais brevidade. Conjuramos, no entanto, com facilidade surpreendente e rotatividade assombrosa, as mesmas juras de amor e de amizade.
Por outro lado, quanto mais fácil o acesso e mais explicita a nudez, e o sexo, mais tédio. Eu disse exposição sexual - quase sempre tediosa- e não erotismo, esta arte suprema da espécie humana e que tanto tem dado aos instintos, às artes plasticas, cinema e a literatura. Quanto mais o sexo perde a clausura, o seu ar, contraditoriamente, sacral, mais agressivo, mais transgressor precisa ser, pois, sexo é, essencialmente, transgressão. Vejam em programas de reality show como é necessário, cada vez mais, aumentar o grau de exposição crua para que desperte a curiosidade do telespectador. E, olha que nem falei de despertar a libido do público.
Esta urgência que alimenta a profunda incapacidade de emoções densas, que estamos vivendo, banaliza as relações, desagrega as famílias, dilui a gratidão - até de filhos - relativiza as amizades, corrói os valores humanos da existência e expropria a alma de suas necessidades atemporais, como o amor.
A busca ancestral de um amor irrecusável, que não pode ter a pretensão de não acontecer, sob jugo de qualquer razão, ou espera, que denomina o outro como moradia e altar, se deixa tatuar feito pergaminho e converte o corpo em escritura e especiaria, deve continuar sendo nossa ambição derradeira.
A recusa e a brevidade com qual temos nos deslumbrado - sem custos e sem esforços - talvez nos dê uma alegoria de felicidade, mas sem nunca termos provado o que nos faz verdadeiramente humanos - e imensos!
Tela: O Jardim do Amor. De Paul Rubens. Ela reflete a felicidade do pintor, depois de, aos 53 anos de idade, viúvo, casar-se com uma garota de 16 anos.


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