Os Normais
Há quem diga que psiquiatras, de tanto lidar com loucos, acabam loucos também. Já há quem defenda que loucos são os “normais”, pois a loucura nada mais é que o exercício sincero e manifesto da Inteligência. Eu mesmo, vejo uma linha muito tênue entre a genialidade e a loucura. Dizia Napoleão, do alto da sua “loucura”, que um homem de verdade precisaria de apenas quatro horas de sono por dia. Um ser humano normal, segundo ele, precisaria de seis. Um débil mental, de oito.
Conheço um psiquiatra, autor de vários
livros, o qual dizem que já enlouqueceu de tanto lidar com loucos. Eu o vejo
apenas como alguém que manifesta seus pontos de vista sem se importar com o que
vão pensar ou dizer dele. Numa reunião de acadêmicos, eu o vi defender com
veemência a ideia de que a Igreja Católica teria “roubado” as lendas britânicas
sobre as fogueiras de Beltane, a lenda das fogueiras de São João. Duvidar, quem
há de?
Um amigo íntimo seu, disse-me que um
certo dia, ao lhe fazer uma visita encontrou o filho deste, recém-nascido, aos
berros no berço, sob o qual havia duas possantes caixas de som, a todo volume,
executando sinfonia de Beethoven. Questionado, o ilustre médico argumentou que
o guri deveria aprender desde cedo a gostar de música clássica.
Este
mesmo amigo, encontrando-se de carona dentro do seu caro, trafegando numa das
principais avenidas da cidade, seguia num animado papo. Num movimentado
cruzamento, o semáforo ficou vermelho. Ele parou o carro, desligou o motor e
virou-se para o lado do carona para continuar a conversa. O sinal abriu e ele
lá, paradão, batendo papo. Quando os motoristas começaram a buzinar, ele só
olhava pra trás, tranquilo e dizia: “Esse povo é todo neurótico”.
Dr. Outran Borges, seu colega e amigo,
contou-me que o convidou para um jogo de futebol entre médicos. No dia do
amistoso, o ilustre psiquiatra foi escalado no seu time. Bola vai bola vem, o
doutor lá, no meio do campo, paradão, seguindo a bola só com os olhos. Não
suportando mais, Outran cobrou: Pô, cara! Você não vai jogar não?” Surpreso e boquiaberto,
ouviu a resposta: “Não notou? Estou jogando com o poder da mente”.
Mas a melhor estória que ouvi sobre
ele, até porque identifiquei com algumas atitudes que tomo, foi sobre o meio
que escolheu para espantar importunos vizinhos. Dizem que ele comprou uma
poltrona, mas não podia usar. Todos os dias, ao chegar em casa à noite, a sala
estava cheia de vizinhos a ver televisão, ocupando inclusive a sua poltrona.
Ele chamava a mulher de lado e reclamava, mas ela argumentava que não poderia
simplesmente mandar os vizinhos embora.
Irritado
com aquela situação, resolveu a coisa a seu modo. Certo dia, ao chegar em casa,
deu com a sala como sempre lotada de vizinhos. Deu boa noite a todos e foi para
o seu quarto, e retornou em seguida, totalmente nu. Pediu licença ao
televizinho que ocupava sua poltrona, sentou-se calmamente em frente à TV,
mudou o canal e, cruzando as pernas, começou a pitar seu cachimbo enquanto
assistia ao telejornal.
Em poucos minutos a sala estava vazia.
NE: Publicada no livro Sempre Livre (2010)
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