Todo pai se inventa como necessidade perene - embora sejamos biodegradáveis, temporários -, como se nós mesmos, filhos, um dia, não tivéssemos saído pelo mundo a eliminar a dependência.
Lembro que meus filhos, quando pequenos, não dormiam sem que eu contasse uma história que inventava para eles. Primeiro para um, depois para o outro. Noite seguinte, ao inverso. Eu era uma espécie de porteiro do sono. Com as narrativas, lendas, aventuras, eles riam, imaginavam mundos longínquos e misteriosos, planetas todos de água, casas sonolentas, e dormiam como cúmplices a esperar, ansiosos, a noite seguinte.
Depois que contamos a primeira história, que os
empurramos no primeiro brinquedo, explicamos a primeira dúvida, achamos que o
ofício será infinito; cremos que nunca vai ser preciso parar, e que eles nunca
aprenderão o caminho do sono, sozinhos. Até que um dia - meu filho já havia
renunciado, na sua dureza masculina -, minha filha perguntou se eu sabia que ela
era a última menina do colégio que o pai ainda contava histórias. A pergunta,
devastadora, foi um choque em meu coração, e sei que ela própria hesitou antes
de tornar palpável uma realidade já existente, e adiada por nós dois,
embevecidos com a fantasia, mas ela precisava anunciar que uma outra se
inaugurava ali e na etapa seguinte - cumprido o aviso prévio - o jogo seria sem
treinador.
Filhos partem, inevitavelmente partem, e filhos,
sabemos, não costumam voltar. Serão, dia após dia, mais autossuficientes, terão
as respostas necessárias e suas próprias portas para serem abertas antes do
dormir. Nós, pais, tentaremos sobreviver ao dilúvio, ao vácuo, permanecendo
distante o bastante para não sermos redatores de escolhas; mas próximos o
suficiente para sermos alcançáveis, pois, não desistimos do zelo a distância.
Com sorte, envelheceremos e partiremos sem lhe pesarmos; ou então,
naturalmente, a finitude nos tornará dependentes e exigirá que eles velem
nossas limitações.
Enquanto o último abraço não vem, carregamos a
angústia do substituível com a serenidade de quem faz uma renúncia difícil, mas
cheia de orgulho, e o medo de tornar-se silêncio e desconhecimento, na alma
deles.
Talvez, talvez, para alertar os filhos, não custe
dizer que meu pai nunca me contou histórias, mas sua falta há oito anos é um
desamparo tão imenso quanto a noite em que perdi meu emprego de porteiro do
sono.
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