O artista que eu não fui
Desde que me entendo por gente que eu gosto de cantar. Antes mesmo de completar cinco anos eu aprendia músicas no rádio e ficava cantando pela casa enquanto brincava com meus brinquedos. Dizem que uma tia minha chorava quando me ouvia cantar, porque todo mundo achava que eu não me criaria, vez que tinha graves problemas de saúde. Lembro que uma das primeiras músicas que aprendi no rádio foi Boneca Cobiçada. Na escola, quando havia alguma comemoração, eu era o cantor oficial da turma. E assim eu fui crescendo, com uma certa veia artística. Já adolescente, um grupo de colegas formou uma banda e fui convidado para ser cantor. Cheguei a ir a alguns ensaios, mas desisti. É que eu era um tanto antissocial e só gostava de fazer as coisas por diversão, nunca por obrigação. E fui amadurecendo e vendo alguns amigos que viraram artistas, viajando, animando festas, e notei que eles se divertiam cantando e tocando, enquanto os outros dançavam, bebiam e namoravam. Eu pensava comigo: Coisa mais besta. Eles trabalham enquanto os outros se divertem. Pior ainda, como os músicos atraiam as atenções das moças, não era raro acontecerem brigas por ciúmes. E ainda vinham as maledicências: “Tal cantor é bicha. Tal músico é drogado”.
Assim
sendo, eu que sempre fui muito arredio e prezava muito a minha privacidade,
desisti de vez de ser um artista, um cantor. Eu era pior do que mineiro. Eu
nunca namorava uma garota que morasse na mesma rua ou estudasse na mesma
escola. No dia que isso aconteceu, eu acabei me casando. Mas parece que meu
destino estava traçado para que eu viesse a ganhar alguma notoriedade, mesmo
que apenas na minha cidade. Depois de iniciar a vida como professor, logo me vi
guinado à condição de jornalista, profissão que exerci por 35 anos, quando me
aposentei. Mas a fama de artista me perseguia. Fui várias vezes confundido com
artistas. Eu passei alguns anos fora do jornalismo, e quando voltei, fui cobrir
as sessões da Câmara Municipal. Um vereador novato me viu na bancada da
Imprensa e perguntou para um colega: O que aquele cantor está fazendo ali”? Um
amigo me chamava de “Chico Buarque”, outro de “Caetano Veloso”, fui até
confundido em Riachão do Jacuípe com um dos cantores da dupla Teodoro e
Sampaio. E pra satisfazer a minha natureza de cantor, eu cantava em bares,
festas particulares, Karaokês e em qualquer oportunidade que me fosse dada e,
principalmente que eu tivesse vontade.
Modéstia
às favas, eu agradava à plateia e enchia os salões de dança. Lembro que certa
vez cheguei no Canto do Forró, próximo ao distrito de Jaguara, e quando entrei havia
pessoas nas mesas, mas o salão de dança estava vazio. No Palco, o grupo de
Anita do Acordeon. Quando me avistaram me convidaram logo a cantar com eles.
Fui lá e quando abri a boca, o salão de dança se encheu na mesma hora. De outra
vez, numa seresta beneficente da Associação Cristã Feminina, meu amigo Gelivar
Sampaio estava tocando e me convidou para fazer uma pequena participação.
Novamente o salão de dança que estava quase vazio, se encheu. Mas engraçado
mesmo foi em Jequié, onde eu dirigia a sucursal do Jornal da Bahia. Uma noite
fui com Maura a um bar onde havia seresta, e lá havia um conjunto tocando um
repertório bem eclético. Como notei que se poderia cantar, me inscrevi e fui
chamado. Cantei uma música da MPB, uma em italiano e Only You, que Maura sempre
me pedia pra cantar. Voltei pra mesa e no intervalo um dos rapazes do conjunto
me abordou perguntando se eu não gostaria de me juntar ao grupo. Declinei
gentilmente do convite.
Eu não
toco nenhum instrumento, mas certa vez num bar, numa roda de amigos, o meu
amigo, o músico feirense, Cescé, estava tocando violão e cantando pra gente. As
garrafas já se acumulavam num pé de parede, e cantoria já se fazia ouvir de
longe. Alguém parou num carro e chamou Cescé. Ele me entregou o violão e foi
atender ao chamado. Como o pessoal não parou de cantar, eu fiquei batendo nas
cordas do violão, só de farra. Cerca de 10 a 15 minutos depois, Cescé voltou,
pegou o violão e seguiu tocando, sem que nenhum dos bebuns notasse que eu bati
nas cordas aleatoriamente. Mas bebuns são assim mesmo. Eles só querem ouvir o
som qualquer pra começar a grasnar alguma música. Se um garçom deixar cair uma
bandeja, ele sai dançando. O Dr. Outran Borges estava aprendendo a tocar violão
e levou o instrumento consigo para treinar na fazenda do pai onde passaria
alguns dias. Foi de ônibus até Itatim, onde pegaria um trem para Baixa Grande.
Enquanto aguardava o trem, apareceram dois bebuns pedindo pra ele tocar o
violão. Ele argumentou que ainda estava aprendendo, mas os caras não aceitavam
e insistiam. Pra se livrar da chateação ele pegou o violão e foi dedilhando
algumas notas, enquanto entoava um canção qualquer, no que foi acompanhado
pelos dois bebuns. Pra sua sorte, o trem não se demoro e ele pode parar e
guardar o violão. Mas não sem antes ouvir um elogio dos dois “parceiros”: Toca
pra caralho”!
NE: Publicada em 2021
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