quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Trambiqueira

Tenho dias de sol e tristezas inexplicáveis. Como um revés. Súbitas. Como quem, querendo orar, não completa as escadarias do templo. De um sentir sem razão. Como se o mundo inteiro fosse meu coração e eu continuasse como um animal sozinho, acuado, em sua grande ilha. A ilha infinita em que não cabemos.
Como se houvesse um encontro marcado comigo mesmo, tarde demais, nessa mania de impontualidade que nos consome. E o caminho fosse de acoite, de debulhar os gomos das dores, e, apenas as estrelas, e não as velas, tivessem a luz das ternuras.
Como se não restasse feitiços inaugurais, os erros fossem assombros irreparáveis, e, os acertos, acasos. Como se a salvação fosse um caminho de exílio, pois, sempre é exílio. E nem sempre sabemos quanto de perigo e escuridão há nos corações alheios.
Tenho horas que soam em mim aquelas rodas do carro de boi, moendo o eixo, na estrada de minha infância, quando ia me divertindo pelo caminho, sem saber que seria grande. As ruas de desamparo não são falta de gente, mas de palavras, de desvendamento do que nem sei, mas sinto. Da escassez da beleza, do encantamento das coisas inocentes, da confiança sem aceiros.
Sei que já vem o outono, que os vincos e as folhas secas já sinalizam o tempo. Sinto-o no esfarelar dos ossos. Persigo-me como se fosse um fugitivo culpado de guerras. Dos Templários. Das cruzadas. Dos Bárbaros. Do Olimpo.
E nem sei os olhos com que ela me fita. Nem que proposta tem para mim, que vim tão despreparado para seu enfrentamento. Ela que faz o avesso do avesso, entregue e esquiva. Dada e fugidia. Água de bica e cicuta. Ela. Trambiqueira: a vida.

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