segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Crônica de segunda

 
Quem estou? Onde sou? Que é que estou fazendo aqui?

          Assim que nasceu Genival levou um tapa na bunda e chorou como um bebê. Mas logo se acalmou, porque lhe enxugaram todo e o acomodaram num colo quentinho e lhe deram uma mamadeira natural deliciosa. Aí era só comer, beber, dormir e não pagar. Por um bom tempo foi assim. Os melhores dias da sua vida. Até que o mandaram para escola. No começo eram só brincadeiras e joguinhos de aprender. Mas a coisa foi ficando mais difícil e um belo dia ele despertou e fez a pergunta fatal: “Onde estou”? E logo em seguida: “O que estou fazendo aqui”? Perguntou ao primeiro que viu por perto e a resposta veio de bate pronto: “Tu tá vivo. No planeta Terra”. Daí em diante Genival não teve mais sossego.

         É que a vida não veio com um manual de instruções e Genival não tinha a menor ideia do que fazer com ela. Enquanto eram só brincadeiras foi fácil, mas quando o chamaram às responsabilidades, o “bicho” pegou. Mas ele era bastante safo e logo arranjou um meio de ganhar dinheiro para adquirir gêneros de primeira necessidade e obter algum conforto e diversão. Até mulher ele arranjou. O que ele não sabia é que seu cérebro era muito inquieto e não se satisfazia com meias perguntas. Suas perguntas eram inteiras, claras, e ele exigia respostas idem. Tudo bem. Ele pensava, logo, existia. E existia num planeta que chamavam de Terra. Aprendeu mais. O planeta estava situado num sistema planetário da galáxia Via Láctea, na constelação de Órion.

Aí ele começou a pirar. Porque se sentiu menos que um grão de areia. E veio a pergunta final: “Mas, qual é o propósito de tudo isso”? O moleque era inteligente”. Mas, vieram pra ele com contos da Carochinha, de que existe um Ser superpoderoso, chamado Deus, que criou tudo o que existe, e que esse Deus que o fez, à sua imagem e semelhança, e ele deve ser fiel e obediente a Deus. “Sim, mas, onde ele está? Preciso falar com ele”. “Você não pode ver nem falar com ele. Você só fala com ele através do filho favorito dele, Jesus Cristo”. Eita burocracia! Genival não se dava por vencido. “Ótimo! Onde eu o vejo”? “Você não o vê. Apenas reze um Pai Nosso, para se ligar com ele e diga o que você quer que ele fará sua demanda chegar ao Pai”.

“Desisto”! Exclamou um cansado e desanimado Genival. “Se eu começar a conversar com alguém que eu não vejo e ninguém mais vê, vão me internar num hospício. E eu não sou doido”. Mas algo dizia a Genival que ele não deveria desistir. E começou a consultar os livros que falam sobre Deus. Aí ele foi percebendo que existia um mundo invisível em volta dele, o Mundo Espiritual”. E como ele tinha mediunidade, logo passou a entender e ver os seres espirituais. Entendeu que Deus não é um ser vivente, com a nossa imagem e semelhança, mas a gigantesca força criador do Universo e de tudo que nele existe. Mas, quando ele tentou explicar isso para as pessoas comuns, ficou triste, decepcionado e até assustado, com as mais diversas reações de quem não entendia, jamais poderia entender, invejava e até tinha raiva dele.

Hoje Genival vive muito feliz com sua família, perto dos seus semelhantes, para ajudá-los quando pedirem a sua ajuda, mas longe o bastante para que não o considerem louco e o internem num hospício. Ou o queimem vivo numa fogueira. Já houve precedentes.


NE: Publicada em 2021

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