* “Siaped Adrem” *
Quando, nos idos de 2002, no Rio, a animália que puxa carroças passou a ter limite de horas diárias de trabalho e licença maternidade e, em São Paulo, os cachorros passaram a ter carteira de identidade, eu e meu charuto trememos.
Muito tempo antes, finais dos anos setenta, ainda residia no Brasil, o cubano Alonso Menendez, pai nominal da homônima marca de charutos. Adjetivei a paternidade de ‘nominal’, vez que o pai ‘técnico’ fora seu irmão, Benjamin Menendez, um dos fundadores da empresa.
Alonso e eu, à época, trabalhávamos na área de marketing da novíssima Menendez & Amerino. Também prestava seus serviços na companhia, um alemão ex-funcionário da Suerdieck, ex-soldado da SS na 2ª guerra mundial, Joseph Hoerchel, mais conhecido como seu Pepe.
Seu Pepe, além de autêntico germânico, poliglota, pavio curto, cuidava da área de comércio exterior da embrionária empresa. Sabia tudo de comércio internacional e dos meandros burocráticos nacionais relativos ao setor. Chegado qualquer negócio, de qualquer país, era ele quem, em primeiro lugar, era informado, para adiantar a papelada.
Naquela época, o continente africano mudava constantemente sua geografia política, não havia Internet e sequer mapa atualizado. A muito custo nos familiarizávamos com nomes de seus países.
Certo dia, Alonso Menendez e eu resolvemos pregar uma peça em seu Pepe.
Simulamos haver recebido, para embarque aéreo imediato, encomenda de charutos de país ao qual chamamos “Siaped Adrem”, cuja capital não lembro mais o nome inventado. Mas, o do país, isso recordo bem, era assim mesmo: “Siaped Adrem”. Comunicamos a seu Pepe ser o pagamento antecipado. Em outras palavras: emitida a fatura proforma, dinheiro no caixa.
Tempos difíceis. Falta de dinheiro. Seu Pepe corre para agilizar o processo, deixando de lado demais afazeres. Passa-se um dia, nada de seu Pepe. Passam-se dois dias, seu Pepe anda preocupado, pelos corredores da empresa, a resmungar com seu fortíssimo sotaque, o qual de per si, constituía-se sempre em alvo da diversão da rapaziada.
“- A África muda todos os dias; ninguém mais toma pé da situação; estive na Varig; comprei um mapa-múndi novo; consultei a CACEX do Banco do Brasil; fui no departamento de geografia da Universidade Federal da Bahia e ninguém, ninguém mesmo tem conhecimento de “Siaped Adrem”. – bradou o velho Pepe.
Todos, entretanto, estavam agilizando suas fontes de informação para tentar ajudá-lo a levar o negócio avante.
Seu Pepe, àquela altura, nem mais dormia; não fazia outra coisa senão sonhar com “Siaped Adrem”. Todos os dias, no cafezinho, outro não era o assunto. Nós pressionando-o, pois “o pedido está pronto para embarque”.
Uma semana depois, seu Pepe, revoltado, pois não gostava de incomodar ninguém, resolvia sozinho seus problemas, entregou os pontos. Veio até nós, pediu ajuda.
Alonso Menendez, à época fumante dos charutos da antiga marca “El Pátio”, com um deles à boca, olha para seu Pepe, com toda a paciência do mundo, diz-lhe estar a solução do problema no próprio nome do país. Pediu-lhe lesse, com atenção tal nome, tocando fogo no pavio curto de seu Pepe. Este, em voz alta, com seu indisfarçável sotaque germânico, lê para todo mundo ouvir: ZIAPED ADRREMMM.
“- Não, seu Pepe, o senhor está lendo
errado!” exclama Alonso.
“- Leia de trás para frente”, recomendou-lhe.
Ah meu amigo! Quando seu Pepe leu, também em voz alta, o nome invertido, ninguém mais trabalhou naquele dia.
São histórias de nossa fábrica; fazem-me pensar, às vezes, ao ver cavalos com carga horária e cães com RG que o hoje finado Alonso Menendez tivera alguma premonição
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