quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Por que somos 'programados' a cooperar - mas isso nem sempre funciona

Cooperação é nosso 'superpoder' humano, argumenta autora
        A cooperação é tanto o "superpoder" da raça humana e o motivo pelo qual evoluímos como espécie, quanto nossa fragilidade - seja quando cooperamos de um jeito ruim, por exemplo por meios corruptos, seja pela nossa dificuldade em coordenar a resposta a problemas globais, como a pandemia ou as mudanças climáticas.

        Como, então, podemos estimular a "boa" cooperação entre as pessoas e as sociedades, de forma a superar desafios que temos em comum?

        Essa pergunta é uma das que permeiam o trabalho da psicóloga britânica Nichola Raihani, professora de evolução e comportamento na prestigiosa Universidade College London, no Reino Unido, e autora do livro recém-lançado The Social Instinct - How Cooperation Shaped the World (O instinto social - como a cooperação moldou o mundo, ainda sem tradução em português).

        Ela pesquisa a cooperação desde 2004.

        "(Essa) palavra virou sinônimo de metáforas corporativas insossas, evocando imagens de apertos de mão e trabalho em equipe animado. Mas a cooperação é muito mais do que isso: está costurada no tecido das nossas vidas, das atividades mais mundanas, como o transporte público para o trabalho, às nossas conquistas mais extraordinárias, como os foguetes lançados no espaço", escreve Raihani no livro.

        A autora conversou com a BBC News Brasil sobre o poder de cooperação entre humanos e também entre outras espécies, explicou por que a orientação ideológica muda nossa percepção sobre o que é cooperar e por que até mesmo a corrupção é uma forma de cooperação - uma que precisamos inibir constantemente.

        Veja a seguir os principais trechos da entrevista, divididos em tópicos:

O 'superpoder' da cooperação humana...

Operação anticorrupção do FBI, nos EUA, em 2015; a corrupção também é uma forma de cooperação - mas hiperlocal e em detrimento da sociedade como um todo

        O coronavírus tirou proveito justamente da nossa sociabilidade, comenta Raihani no livro.

        "Nossa natureza social nos colocou nesta pandemia, mas também é nossa única forma de sair dela. Para enfrentar o vírus, precisamos cooperar. Felizmente, isso é algo que fazemos extremamente bem. (...) Cooperação é o superpoder da nossa espécie, o motivo pelo qual não apenas sobrevivemos, mas prosperamos em quase todos os habitats da Terra", ela escreve.

        "E o que é menos óbvio, a cooperação é o motivo pelo qual existimos, para começo de conversa. No nível molecular, a cooperação é onipresente: toda entidade viva é composta de genes cooperando com genomas. Subindo para a evolução dos organismos, múltiplas células trabalham juntas para produzir indivíduos."

...E seus elos frágeis

        No entanto, agrega a pesquisadora à reportagem, outras manifestações da cooperação humana são verdadeiros obstáculos à superação de problemas sociais.

        

Nichola Raihani pesquisa a cooperação humana desde 2004

        "Não costumamos associar palavras como corrupção, pagamento de propina e nepotismo à cooperação, mas são formas de cooperação - que envolvem ajudar sua família, seus amigos (em detrimento da sociedade como um todo). E vimos em vários governos, inclusive aqui no Reino Unido, muitos casos desse tipo de cooperação hiperlocal - ou corrupção - que prejudicaram muito a busca por soluções na pandemia", explica Raihani. "Então temos que cooperar na forma correta e na escala correta."

        No início da pandemia em particular, duas forças nos puxaram em direções contrárias: de um lado, nossa vontade (ou mesmo necessidade, em alguns casos) em estar perto de familiares ou amigos e, de outro, a importância de nos isolarmos para conter o avanço do vírus.

        "É muito difícil conciliar essas forças; é algo que nos causa muita ansiedade e confusão. Por isso, de certo modo é perigoso depender de apelos à natureza do indivíduo, pedir que 'façam a coisa certa' - que foi a abordagem usada no início da pandemia", aponta.

        Como, então, estimular o tipo de cooperação necessária para superar desafios como o vírus? Para Raihani, a saída é estabelecer normas claras, além de benefícios pelo "bom" comportamento (e, em certos casos, punições para o "mau").

        "No campo em que eu trabalho, o da Teoria dos Jogos, estudamos esses dilemas sociais em laboratório o tempo todo, usando jogos em que as pessoas interagem, cooperam ou não. E uma coisa que vimos estudando o comportamento humano nesses ambientes supercontrolados é que se você não tem instituições ou incentivos que tornem a cooperação atrativa - por exemplo, se você não tem mecanismos de punição ou incentivos para as pessoas ou para suas reputações - em geral a cooperação é muito baixa entre as pessoas."

Mudanças climáticas, o maior desafio da cooperação

        Que lições podemos tirar disso para as mudanças climáticas, cuja reversão exige cooperação em escala gigantesca?

        Para Raihani, nossa resposta coletiva à pandemia não trouxe muito alento, infelizmente.

        "De muitas formas, a pandemia é mais fácil de se enfrentar. (...) A maioria de nós está motivada a evitar a contaminação, há um incentivo econômico real de enfrentar a doença, agora temos uma vacina e sabemos o que temos de fazer para mitigar o avanço da doença. Não é um problema de gerações futuras", pontua. 

      

Onda de calor na Europa, no início de setembro; "a pandemia nos faz sentir um pouco pessimistas em lidar com um dilema social ainda mais difícil (como as mudanças climáticas), mas pessoalmente acho que somos capazes. Só não sei se o faremos"


         "No entanto, o que vimos - e que deve nos servir de alerta, no que diz respeito a como enfrentar as mudanças climáticas - é que a resposta à pandemia foi caracterizada por uma reação muitas vezes paroquial e fragmentada em diferentes governos ao redor do mundo, e pelo fracasso em percebermos que estamos todos no mesmo barco, para usar uma frase bastante desgastada, e que somos muito interdependentes - nenhum país sairá (da pandemia) até que todos saiam."

        Sendo assim, ela avalia, "a pandemia nos faz sentir um pouco pessimistas em lidar com um dilema social ainda mais difícil, mas pessoalmente acho que somos capazes. Só não estou convencida de que o faremos. Mas temos que nos manter esperançosos, ou então o que fazer?"

 Leia matéria completa no BBC News Brasil.

 

 

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