Toda vida é uma missão secreta (Clarice Lispector)
Difícil
fugir do único assunto que vem povoando minha mente há vários dias, depois da
morte de duas centenas de jovens numa fatalidade estúpida que, sabe-se, poderia
ter sido evitada. Algumas tragédias podem sim, ser evitadas. O episódio
que aniquilou várias famílias me lembrou uma senhora que conheci recentemente
em uma viagem, acompanhada da filha, do genro e do neto de uns 2 anos. Em um
papo despretensioso sobre a vida, ela me confessou, orgulhosa: quando minha
filha era adolescente a fiz prometer que jamais faria três coisas na vida –
tatuagem, andar de avião pequeno ou helicóptero e nunca subir em uma moto.
Aquele pacto vitalício me impressionou bastante, e fiquei pensando até que
ponto nós temos o direito de interferir dessa maneira na vida dos nossos
filhos, tolindo-os em nome da nossa própria felicidade e para nos poupar de
decepções e tristezas. A suposta segurança que lhes impomos garantirá
que, por mais que eles tenham uma vida longa, sejam felizes?
Eu que
tenho uma filha de 10 anos fiquei pensando: que lista imensa de coisas eu seria
capaz de pedir a ela que jamais fizesse, em nome de me sentir mais segura
de que sua vida será mais longa, uma vez eliminados uma boa parte dos perigos
que a põe em risco? Andar de moto, de helicóptero, de avião pequeno, evitar
boates que não tenham alvará de incêndio em dia, não usar drogas, não pular de
para-quedas, não andar de asa delta, não praticar escalada, jamais entrar em um
carro de corrida, não andar a cavalo, não andar de barco…a lista é
interminável. Que espécie de pacto seria esse, para garantir que nada de mal
lhe acontecerá – em nome da minha tranquilidade?
Eliminando-se umas 20 coisas explicitamente perigosas,
minhas chances de envelhecer e morrer antes dela, como deve ser, aumentam?
Conversei
sobre esse assunto com minha pequena grande menina de 10 anos, na base da
brincadeira, e ela achou pertinentes algumas das possíveis reivindicações da
mãe protetora. De outras, ela riu, claro: ah, mãe, não andar de moto? Risos.
Bom, de barco eu não gosto mesmo de andar. Andar de avião pequeno e de
helicóptero não curto mesmo, acho que posso prometer.
Mas o
fato é que nessa vida temos que ajudar nossos filhotes a aprender a voar e
deixá-los ir, cruzando os dedos para que dê tudo certo. Como diz o poeta Lulu
Santos, tolice é viver a vida sem aventura. Que se divirtam no caminho, que
sejam felizes, que tenham liberdade para cumprir seus próprios destinos,
enquanto seguimos com os nossos, nesse interminável “andar do bêbado”, onde o
acaso domina a cena mais do que gostaríamos.
Por
sinal, o livro com esse mesmo título (Andar do bêbado, de Leonard Mlodinow)
aborda exatamente os fatores aleatórios que transformam nossas vidas e que não
dependem, necessariamente, de grande habilidade ou competência, mas de
“circunstâncias fortuitas”. Lidar com elas, infelizmente, não tem receita.
Não há
mesmo consolo para a dor de uma perda. Mas sempre haverá algum alento se
fizemos a nossa parte, dando amor e proteção sim, mas permitindo que a eles
liberdade de escolha, dentro dos limites normais das relações entre pais e
filhos. Esse amor é o que realmente funda uma base emocional e “protege”, dando
melhor preparo para tomar decisões acertadas e reagir diante do
desconhecido, de eventos aleatórios, das causalidades. Mais do que as grandes
decisões – uma profissão, um casamento -, são muitas vezes as aparentemente
pequenas escolhas diárias que fazem toda a diferença, como não sair de casa num
dia de muita chuva, não pegar carona com alguém que bebeu, não experimentar
drogas, não entrar em diversas furadas. No mundo das redes sociais e das
comunidades, dizer não tornou-se, afinal de contas, cada vez mais difícil. Alguém com segurança emocional é capaz de
fazer escolhas melhores – embora naturalmente não esteja livre das roubadas,
como todos nós.
Claudia Penteado -Jornalista
Texto publicado em Mulher 7 X 7
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