Amigas & Amigos!
Saudando-os, antecipadamente agradeço me perdoem se, porventura, o que ora trato, possa parecer, a quem não viva na Bahia, algo que luza a proselitismo religioso. Em absoluto. Mesmo porque as raízes mais profundas de nossa nacionalidade, deitadas no solo pátrio pelas incontáveis escaramuças regionais e conflitos bélicos de maior monta, ao início, custaram o sangue das etnias indígena e africana. Foram elas, e não os filhos dos senhores de engenho e outras potestades, a base de nossos exércitos em terra e mar. Ainda não tínhamos patentes militares de alto calibre, prova disto o Exército Pacificador das lutas de 1823, a definitiva Independência da Bahia, que, para ser organizado e treinado, contou com o comando, contratado, de oficiais mercenários estrangeiros. Um francês, Pedro Labatut e outro escocês, Lorde Thomas Cochrane.
Assim,
fundamenta-se a importância do perfil cultural decorrente, marcada de forma
indelével em usos e costumes trazidos a bordo dos execráveis navios do tráfico
humano.
Entre
tais traços, aqui na Boa Terra, destaque-se à religiosidade, mística e mista,
do chamado “povo de santo”, formado por aqueles que se dedicam à prática do
Candomblé. Uma das incontáveis, se não a mais conhecida afro-herança que reina,
solene, nos terreiros da Bahia.
É o
que eu, agora, enalteço e trago à presença de vocês. Espero, apreciem meu
trabalho.
Afro-herança
Da
afro-herança, quem não guarda a lembrança,
Não
é desta terra nem nunca será!
Eu sou a oferenda a Exu,
abrindo caminhos.
Eu sou o calor do fogo, o
beijo da chuva, o abraço da água.
Eu sou quem às sextas,
vestido de branco, visita Oxalá.
Tu não me entendes e, mais
que o queiras, nunca entenderás.
Minha crença é cega, por que me persegues?
Se não
conheces o terreiro Okutá de Ogún,
Se não
vestistes as vestes dos Filhos de Gandhi
E
não ouvistes, certezas tristes: o sirrum.
Que não comemora Iansã,
Quem
não festeja Yemanjá,
Quem
desconhece a dagã,
Não
é desta terra nem nunca será!
Eu sou o alabê, baiano-afro, sul-americano,
Que
dirige o adarrum, o alujá, o batucajé
E
agrado Òbaluayaê, tocando o opanijé.
Eu sou a dor dos degredados da sorte,
sem
rumo, sem norte.
Eu
sou a parte restante de um triste viajante.
Tu me persegues, mas não me
irás destroçar.
Eu tenho escolha, vou confessar:
No paxorô de Oxalá irei me
apoiar.
Quem não ouviu alujá em
homenagem a Xangô
Não é
desta terra nem nunca será!
Eu sei quem manipula o sagrado
da
pedra de Xangô,
das
plantas de Oxóssi,
do
filho de Ogún.
Eu sou quem guarda o segredo,
protege
o legado,
propaga
o axé.
Eu sou a árvore da estrada,
não me conheces.
Eu sou a pedra encantada,
ao rogar uma prece.
Eu sou o som do gã, do
agogô, do rumpi,
Em conjunto com o tata e
seu caxixi.
Quem nunca, sequer, foi a
um terreiro,
Quem não visitou o Ilê Ohum
Lailai
- Museu das coisas antigas,
no ‘Gantoá’ -
Não é desta terra nem nunca
será!
Glossário
·
Okutá: Pedra.
·
Sirrum: Candomblé funerário.
·
Dagã: A mais velha das duas filhas de santo
encarregadas do despacho de Exu.
·
Alabê: O chefe da ‘orquestra’ dos candomblés.
·
Adarrum: Três distintos toques de atabaque para
provocar a chegada dos orixás.
·
Alujá: Toque especial para Xangô.
·
Batucajé: O ruído produzido pelos atabaques em geral.
·
Opanijé: Música especial para Ômòlu – Òbaluayaê.
·
Paxôrô: O
cajado de Oxalá.
·
Axé: Os alicerces mágicos da casa do candomblé, a
sua razão de existir.
·
Gã: O agogô com somente uma campânula.
·
Agogô: Composto de duas campânulas de ferro em
tamanhos desiguais e uma vareta do mesmo metal.
·
Rumpi: O atabaque intermediário.
·
Tata: Babalorixá, pai de santo.
·
Caxixi: Saquinho de palha contendo sementes de
bananeira do mato, para acompanhar certos cânticos.
·
Ilê: Casa.
·
‘Gantoá’: (originalmente: Gantois) – local
onde se situa terreiro em Salvador, especificamente no
bairro da Federação, tombado em 2002 pelo IPHAN.
Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941) economista, cronista, é autor
do livro virtual
Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas
e Palavras ao Vento,
participa do Colares – Coletivo Literário Arte
de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - Ba
[email protected]
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