domingo, 19 de maio de 2024

 

Amigas & Amigos!

Saudando-os, antecipadamente agradeço me perdoem se, porventura, o que ora trato, possa parecer, a quem não viva na Bahia, algo que luza a proselitismo religioso. Em absoluto. Mesmo porque as raízes mais profundas de nossa nacionalidade, deitadas no solo pátrio pelas incontáveis escaramuças regionais e conflitos bélicos de maior monta, ao início, custaram o sangue das etnias indígena e africana. Foram elas, e não os filhos dos senhores de engenho e outras potestades, a base de nossos exércitos em terra e mar. Ainda não tínhamos patentes militares de alto calibre, prova disto o Exército Pacificador das lutas de 1823, a definitiva Independência da Bahia, que, para ser organizado e treinado, contou com o comando, contratado, de oficiais mercenários estrangeiros. Um francês, Pedro Labatut e outro escocês, Lorde Thomas Cochrane.

Assim, fundamenta-se a importância do perfil cultural decorrente, marcada de forma indelével em usos e costumes trazidos a bordo dos execráveis navios do tráfico humano.

Entre tais traços, aqui na Boa Terra, destaque-se à religiosidade, mística e mista, do chamado “povo de santo”, formado por aqueles que se dedicam à prática do Candomblé. Uma das incontáveis, se não a mais conhecida afro-herança que reina, solene, nos terreiros da Bahia.

É o que eu, agora, enalteço e trago à presença de vocês. Espero, apreciem meu trabalho.

 

Afro-herança

 

Da afro-herança, quem não guarda a lembrança,

Não é desta terra nem nunca será! 

Eu sou a oferenda a Exu, abrindo caminhos.

Eu sou o calor do fogo, o beijo da chuva, o abraço da água.

Eu sou quem às sextas, vestido de branco, visita Oxalá.

Tu não me entendes e, mais que o queiras, nunca entenderás.

Minha crença é cega, por que me persegues?
Se não conheces o terreiro Okutá de Ogún,
Se não vestistes as vestes dos Filhos de Gandhi

E não ouvistes, certezas tristes: o sirrum.

 

Que não comemora Iansã,

Quem não festeja Yemanjá,

Quem desconhece a dagã,

Não é desta terra nem nunca será! 

Eu sou o alabê, baiano-afro, sul-americano,

Que dirige o adarrum, o alujá, o batucajé

E agrado Òbaluayaê, tocando o opanijé. 

Eu sou a dor dos degredados da sorte,

sem rumo, sem norte.

Eu sou a parte restante de um triste viajante. 

Tu me persegues, mas não me irás destroçar.
Eu tenho escolha, vou confessar:

No paxorô de Oxalá irei me apoiar. 

Quem não ouviu alujá em homenagem a Xangô
Não é desta terra nem nunca será!
 

Eu sei quem manipula o sagrado

da pedra de Xangô,

das plantas de Oxóssi,

do filho de Ogún.

 

Eu sou quem guarda o segredo,

protege o legado,

propaga o axé.

Eu sou a árvore da estrada, não me conheces.

Eu sou a pedra encantada, ao rogar uma prece.

Eu sou o som do gã, do agogô, do rumpi,

Em conjunto com o tata e seu caxixi.

 

Quem nunca, sequer, foi a um terreiro,

Quem não visitou o Ilê Ohum Lailai

- Museu das coisas antigas, no ‘Gantoá’ -

Não é desta terra nem nunca será!

 

 

 

Glossário

·        Okutá: Pedra.

·         Sirrum: Candomblé funerário.

·        Dagã: A mais velha das duas filhas de santo encarregadas do despacho de Exu.

·        Alabê: O chefe da ‘orquestra’ dos candomblés.

·        Adarrum: Três distintos toques de atabaque para provocar a chegada dos orixás.

·        Alujá: Toque especial para Xangô.

·         Batucajé: O ruído produzido pelos atabaques em geral.

·        Opanijé: Música especial para Ômòlu – Òbaluayaê.

·         Paxôrô: O cajado de Oxalá.

·         Axé: Os alicerces mágicos da casa do candomblé, a sua razão de existir.

·        : O agogô com somente uma campânula.

·         Agogô: Composto de duas campânulas de ferro em tamanhos desiguais e uma vareta do mesmo metal.

·         Rumpi: O atabaque intermediário.

·        Tata: Babalorixá, pai de santo.

·        Caxixi: Saquinho de palha contendo sementes de bananeira do mato, para acompanhar certos cânticos.

·        Ilê: Casa.

·        ‘Gantoá’: (originalmente: Gantois) local onde se situa terreiro em Salvador, especificamente no bairro da Federação, tombado em 2002 pelo IPHAN.                        

 

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941) economista, cronista, é autor do livro virtual

Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,

participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - Ba
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http://livrodoscharutos.blogspot.com

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