Bons Olhos
Estivesse a cardiológica negativa estribada, apenas nos exames requeridos, tudo bem. Quer mais. Determina, da parte do neurologista, um relatório onde a anestesia não seja vetada. Como se sabe, manda a regra que pacientes alvo de acidentes isquêmicos, mesmo breves e sem consequências, devam permanecer em observação por seis meses. Meus dois, em mesmo dia, são mais recentes.
Envolto pois, ora percorro a insana sina das 14 estações de exames e remarcações. Complementados, volta e meia, com alguns laçaços - inesperados surtos alérgico-dermatológicos.
Assim, mesmo não me
considerasse participante da geração “ageless”, teria razões para tanto.
Sobram-me motivos para me divertir, ao recordar finado esculápio amigo, Dr.
Alício Peltier de Queiróz o qual, do alto de seus noventa e tantos anos,
tratava aos danos corporais, por “mimos da senilidade”.
Com a perda da visão útil
do olho direito e a progressiva redução da capacidade de leitura do olho
esquerdo, posso afirmar, convicto, não mais ver a vida como a via.
O olhar que de per si, em
tudo se intromete, ora elogia, ora reflete o que não lhe compete, aos poucos,
teme a própria luz do dia, graças uma fotofobia. Devido à dita, hoje melhor
convivo ‘à luz difusa de um abajur lilás’. Pior ainda, a visão do olho ‘bom’,
talvez pelos azares de haver olhado mais do que devia, esconde-se atrás de um
nevoeiro denso e, de quebra, por ter perdido a noção de profundidade, requer
meus cuidados ao despejar algo em um copo; ao tentar abrir uma fechadura; em
distinguir degraus ou buracos no caminho, ao digitar teclas das maquinetas do
cartão de pagamentos, coisas assim.
A longínqua paisagem de
densa bruma em volta de um morro lindo, poderá corresponder a enorme caminhão a
poucos metros de distância, vindo.
Por
isso, após mais de sessenta anos ao volante, abdiquei de ser motorista. Mais
uma dependência na vida.
Da mesma forma - a coisa
vai mais longe –, em tempos nos quais tudo via, em tudo me intrometia.
Agora, quando a fonte para
impressão deva ser 20 ou mais; uma lupa empunho para ler jornais; alguns
livros, é provável, não lerei jamais; uma catarata me inunda tal qual
resquícios de um sentido choro e ante a ameaça de não mais ler o que escrevo, sou
compelido a abandonar, enquanto é tempo, os cuidados tidos – por vezes
incompreendidos - com as produções de meus companheiros da jornada literária.
Continuarei zelando do quanto até aqui cuidei, exceção feita às revisões de
textos.
Todavia, também não
deixarei de produzir, enquanto possa. Sucedendo as duas séries de crônicas -
“Fumaças Mágicas” e “Palavras ao Vento” - inauguro esta nova, intitulada
“Dedais de Prosa”. Por quanto tempo persistirá? Sei lá!
Mesmo assim, ratifico e
assino: não mais vejo a vida com bons olhos.
Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,
http://livrodoscharutos.blogspot.com
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