Anos-toneladas
Conheci alguém – ‘anos-toneladas’ atrás -, portador de mediana cultura, que ao se valer do numeral ‘1.000’, não se satisfazia em pronunciar a palavra ‘mil’ e a pluralizava. Ao se referir a “mil problemas”, pronunciava “mis problemas”.
Mil
ou “mis” (em vez de ‘milhares’) são os problemas suportados por humanos ombros
quando aportam às margens do rio-umbral da vida, os oitenta pesados anos.
Há de dizer, haver eu ultrapassado tal travessia temporal - desafiante desfiladeiro de letras a serem ordenadas, um dia - livre, leve e solto. Ao atravessar o Rubicão evoquei palavras de César, quando fez o mesmo, “alea jacta est”. A sorte estava lançada.
Assim,
“aos trancos e barrancos”, no bom dizer do inesquecível Darci Ribeiro, graças
aos atuais senis achaques, administro um viver com relativa qualidade. Para
tanto, afastei-me dos variados embates-prazeres, aos quais meu sentimental
exército era afeito. Tais abstenções não mutilaram minhas percepções mundanas,
tornando-as mais depuradas.
Em
paralelo, por consentir com dez desabridos imprevistos
odonto-gastro-pneumo-dermo-cardio-uro-oftalmo-endócrino-neuro-reumatológicos,
aquieto-me ante esculápias vozes tonitruando loas à lucidez impávida de minha
mente.
Mente
que a mim não mente, pois, se o fizesse acenando-me recaídas em seres e estares
despojados ao atravessar o Rubicão, dar-me-iam por arcaico idoso, alheio à
realidade.
Triste?
Em absoluto.
Alegre? Evidente, pois tim-tim por tim-tim, graças ao açodamento com algo inexistente - o tempo - suporto as 83 toneladas de tal invento, convivo com livros e amantes das letras, bem como não me faltam palavras para esmiuçar, em breves textos, meus existenciais pretextos.
Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941) economista, cronista, é autor
do livro virtual
Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas
e Palavras ao Vento,
participa do Colares – Coletivo Literário Arte
de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - Ba
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