domingo, 21 de julho de 2024

 


Viagem com Jó

 Revirei velhos livros. Esquecidos entre coisas que, um dia, foram de meu avô materno e, em um deles conheci Jó. Por favor, não se confunda com Jô Soares. Este, morreu há pouco. Aquele, já se passaram 2.500 anos. 

A única coisa que Jó e eu tivemos em comum, foi a paternidade. Ele, pai de dez filhos, 7 homens, 3 mulheres. À época a natureza se incumbia de gerar mais homens, pois muitos morriam em contínuos conflitos bélicos.  Quanto a mim, sou também pai de dez filhos, metade homens, metade mulheres. É a natureza correspondendo à realidade estatística dos dias atuais.

Afora tal paralelo, nada mais temos em comum; Jó era riquíssimo. Na inexistência de pai rico, de caixa dois, de uma loteria zoológica ou algo que o valha, para justificar sua incalculável fortuna, atribuiu-se o fato à bondade divina. Mas, Jó gostava mesmo era de escrever reflexões sobre a existência humana. Supõe-se que seus pensares, ao longo dos séculos, sofreram transcrições, acréscimos, exclusões, que agora lidos, simbolizam a evolução das reflexões ao longo dos séculos. Por isso, pretensiosamente, resolvi imiscuir-me no ‘misto quente’ das palavras velhas, lidas nos livros velhos de meu velho avô. Acompanhem-me nesta viagem. Facilmente, serão identificadas as palavras do autor de agora e outras tantas dos autores de outrora.

 

Quero saber onde eu estava quando foram feitos os fundamentos da terra e seu tamanho foi definido.

Quero lembrar onde estava quando homens cravaram uma bandeira na lua. Será que ao darem costas à Terra, os astros do outro lado do universo bateram palmas?

Sei, pois lá já entrei, onde ficam os reservatórios da neve e os celeiros do granizo reservados para os tempos das calamidades. Mas, dúvida cruel, quem abriu um canal para o aguaceiro e mostrou caminhos para os relâmpagos e os trovões?

Quem terá aberto as torneiras do aguaceiro que transbordou rios gaúchos, destruiu sonhos e afogou gentes e animais?

Nunca em minha vida vi as fontes do mar, nem passeei nas profundezas do oceano. Muito menos consigo imaginar os portais das sombras. Onde vive a luz? Onde vivem as trevas? Como posso conhecer o caminho da casa se não sei onde elas vivem? E essas portas com trancas avisando que quem até ali chegar, dali não passará?

E essas grades, essas senhas, esses alarmes, essas câmeras confinando e controlando a tudo e a todos? Como poderei saber o que, aqueles homens de capacete, em uma moto, naquela hora, naquele lugar, desejam? E se houver um apagão? Que faremos sem luz, sem água, sem metrô, sem internet? E quando os sinos dobram? O que pensamos?

Por acaso a chuva tem pai? Quem gera as gotas do orvalho e de que seio vem o gelo e a geada que caem do céu?

De onde vêm esses ventos que fazem girar enormes pás em colunas gigantes de fazer inveja aos moinhos dos países baixos?

Nunca em minha vida dei ordens para o amanhecer, nem marquei um lugar para a aurora que se agarra às bordas da terra.

E quem terá ordenado as mortes de Marielle e de Mãe Bernadete?

Quem terá fechado as comportas do mar quando ele irrompeu, jorrando do seio materno? E essas nuvens e essas névoas?

E essas pestes que, desde sempre, alteram o andar da existência e sequestram muitos para a solidão dos jazigos?

Onde, porventura, estarão encaixadas as suas bases ou quem terá assentado a sua pedra angular enquanto os astros da manhã aclamavam e todos aplaudiam?

E por qual razão as nações do mundo andam mudando seus nomes? O Sião se transformou em Tailândia; o Ceilão se tornou Sri Lanka; a Birmânia adotou o nome Mianmar e a Índia pensa mudar para Bharat. Será para esquecer o passado? Por acaso, o ódio, a inveja, o despeito, o ciúme, a vingança, a traição sumirão? 

Abismado, me pergunto. O que ainda estou fazendo por aqui, com a boca sem dentes “esperando a morte chegar”?

 Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro virtual

Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,

participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - Ba
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http://livrodoscharutos.blogspot.com

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