Viagem
com Jó
A única coisa que Jó e eu tivemos em comum, foi a paternidade. Ele, pai de dez filhos, 7 homens, 3 mulheres. À época a natureza se incumbia de gerar mais homens, pois muitos morriam em contínuos conflitos bélicos. Quanto a mim, sou também pai de dez filhos, metade homens, metade mulheres. É a natureza correspondendo à realidade estatística dos dias atuais.
Afora
tal paralelo, nada mais temos em comum; Jó era riquíssimo. Na inexistência de
pai rico, de caixa dois, de uma loteria zoológica ou algo que o valha, para
justificar sua incalculável fortuna, atribuiu-se o fato à bondade divina. Mas,
Jó gostava mesmo era de escrever reflexões sobre a existência humana. Supõe-se
que seus pensares, ao longo dos séculos, sofreram transcrições, acréscimos,
exclusões, que agora lidos, simbolizam a evolução das reflexões ao longo dos
séculos. Por isso, pretensiosamente, resolvi imiscuir-me no ‘misto quente’ das
palavras velhas, lidas nos livros velhos de meu velho avô. Acompanhem-me nesta
viagem. Facilmente, serão identificadas as palavras do autor de agora e outras
tantas dos autores de outrora.
Quero saber onde
eu estava quando foram feitos os fundamentos da terra e seu tamanho foi
definido.
Quero lembrar
onde estava quando homens cravaram uma bandeira na lua. Será que ao darem
costas à Terra, os astros do outro lado do universo bateram palmas?
Sei,
pois lá já entrei, onde ficam os reservatórios da neve e os celeiros do granizo
reservados para os tempos das calamidades. Mas, dúvida cruel, quem abriu um
canal para o aguaceiro e mostrou caminhos para os relâmpagos e os trovões?
Quem
terá aberto as torneiras do aguaceiro que transbordou rios gaúchos, destruiu
sonhos e afogou gentes e animais?
Nunca em minha
vida vi as fontes do mar, nem passeei nas profundezas do oceano. Muito menos
consigo imaginar os portais das sombras. Onde vive a luz? Onde vivem as trevas?
Como posso conhecer o caminho da casa se não sei onde elas vivem? E essas
portas com trancas avisando que quem até ali chegar, dali não passará?
E essas grades,
essas senhas, esses alarmes, essas câmeras confinando e controlando a tudo e a
todos? Como poderei saber o que, aqueles homens de capacete, em uma moto,
naquela hora, naquele lugar, desejam? E se houver um apagão? Que faremos sem
luz, sem água, sem metrô, sem internet? E quando os sinos dobram? O que
pensamos?
Por
acaso a chuva tem pai? Quem gera as gotas do orvalho e de que seio vem o gelo e
a geada que caem do céu?
De
onde vêm esses ventos que fazem girar enormes pás em colunas gigantes de fazer
inveja aos moinhos dos países baixos?
Nunca em minha
vida dei ordens para o amanhecer, nem marquei um lugar para a aurora que se
agarra às bordas da terra.
E quem terá ordenado as mortes de
Marielle e de Mãe Bernadete?
Quem
terá fechado as comportas do mar quando ele irrompeu, jorrando do seio materno?
E essas nuvens e essas névoas?
E
essas pestes que, desde sempre, alteram o andar da existência e sequestram
muitos para a solidão dos jazigos?
Onde,
porventura, estarão encaixadas as suas bases ou quem terá assentado a sua pedra
angular enquanto os astros da manhã aclamavam e todos aplaudiam?
E por qual razão as nações do mundo andam mudando seus nomes? O Sião se transformou em Tailândia; o Ceilão se tornou Sri Lanka; a Birmânia adotou o nome Mianmar e a Índia pensa mudar para Bharat. Será para esquecer o passado? Por acaso, o ódio, a inveja, o despeito, o ciúme, a vingança, a traição sumirão?
Abismado, me pergunto. O que ainda estou
fazendo por aqui, com a boca sem dentes “esperando a morte chegar”?
Bahia –
Terra de Todos os Charutos, das
crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,
participa
do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo
dos Campos - Ba
[email protected]
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