É só uma eleição se aproximar e as
promessas de mudanças no intrincado sistema tributário brasileiro ganham
espaço no discurso de políticos dos mais variados partidos. Nas últimas
três décadas, todos os presidentes eleitos se declararam a favor de uma
reforma. E dois deles – FHC e Lula - chegaram a apresentar propostas ao
Congresso.
A presidente Dilma Rousseff, do PT – que ao assumir,
em 2011, prometeu uma "reforma tributária fracionada" –, agora se
compromete em avançar em uma simplificação dos tributos do país.
E
seu concorrente, Aécio Neves, do PSDB, diz que, se vencer a eleição do
dia 26, criará uma secretaria especial para apresentar, em 60 dias,
propostas nessa área.
Além disso, diversos congressistas
recém-eleitos garantem apoiar uma reforma. Mas, quando é iniciado um
debate sobre que tipo de reforma deveria ser feita e quem se
beneficiaria dela, as opiniões passam a ser divergentes.
A
regressividade do sistema faz com que os 10% mais pobres paguem,
proporcionalmente, mais impostos que os 10% mais ricos. Empresários
reclamam da oneração. A classe média se vê obrigada a gastar com
serviços privados e não tem a percepção de que os impostos pagos
"voltam" de alguma maneira.
Promessas de mudanças nessa área,
ainda que pouco específicas, são populares tanto entre eleitores quanto
entre empresários financiadores de campanhas.
Comendo poeira
Existe
um consenso de que o sistema tributário brasileiro é excessivamente
complexo e incoerente - um "manicômio tributário", como definiu o
tributarista Alfredo Augusto Becker.
Uma empresa brasileira gasta
2600 horas por ano com os trâmites burocráticos para pagar seus
impostos, segundo o Banco Mundial. É o pior resultado entre 189 países
analisados.
A comparação com a média da OCDE – de 175 horas - pode
parecer covardia, mas mesmo países famosos por sua ineficiência
burocrática fazem o Brasil comer poeira nesse quesito.
Na Bolívia,
por exemplo, as empresas gastam 1025 horas com o pagamento de impostos.
Na Nigéria, 956 horas, na Líbia, 889 horas e, na Venezuela, 792 horas.
Segundo
o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), desde a
Constituição de 88, união, estados e municípios editaram 320 mil normas
modificando matéria tributária no Brasil – uma média de 33 por dia.
Além
disso, poucos gostam de pagar imposto – e o brasileiro não só paga cada
vez mais, como há uma percepção generalizada de que o investimento não
compensa.
Nos anos 50, a carga tributária estava na casa dos 15% do PIB. Chegou a 25% nos anos 70 e 80 e 30% no final da década de 90.
Hoje, é de 36% - o que significa que um terço de tudo que se produz no país é destinado ao pagamento de tributos.
Para
completar, na última década pesquisadores vêm chamando atenção para o
problema da regressividade do sistema: quanto mais pobre o contribuinte,
mais imposto ele paga proporcionalmente a sua renda.
Segundo o
Instituto Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), os 10% mais pobres do
país gastam 32,8% de sua renda com impostos. Já entre os 10% mais ricos,
a proporção é de 22,7%.
"Isso ocorre em função da grande
participação dos impostos sobre o consumo na carga tributária – uma
peculiaridade do sistema brasileiro", explica José Roberto Afonso, do
Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV.
"É um mito que pobre não paga imposto. Aqui, se você acende a luz, abre a torneira ou atende o celular, já está pagando."
É
como se os mais pobres é que estivessem, de fato, "bancando" os
programas sociais que voltam para eles mesmos - programas que são alvos
de muitos críticos do governo.
Mas, se todos concordam que o sistema tributário está crivado de problemas, por que é tão difícil fazer mudanças?
Especialistas consultados pela BBC levantaram pelo menos três motivos por trás da inércia nessa área. Leia abaixo:
1. Medo de perder arrecadação
Para
Maria Helena Zockun, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
(Fipe), tanto estados quanto o governo federal temem que uma reforma
tributária, com simplificações e unificação de tributos, possa resultar
em menos arrecadação.
A questão é que o sistema tributário brasileiro pode ser intrincado e incoerente. Mas é eficaz do ponto de vista arrecadatório.
Em
porcentagem do PIB, arrecada-se o mesmo que países como Alemanha e
Canadá – que exibem taxas de informalidade em suas economias muito
menores.
"Em última instância, não há interesse entre os que estão
no poder e querem expandir os gastos públicos de fazer uma mudança que
poderia implicar em perda de receita", diz Zockun.
Afonso, do IBRE, e João Elói Olenike, presidente-executivo do IBPT, concordam.
"Alguns
políticos até parecem começar o governo com intenção de fazer a
reforma, mas perdem o ímpeto ao se dar conta de seus riscos e
dificuldades. Ao final, temos muito jogo de cena, mas pouco empenho
político para se avançar nessa área", opina Olenike.
No caso das
mudanças no chamado"pacto federativo" – que define competências
tributárias e atribuições dos entes da federação – o grande problema
parece ser a disputa por recursos entre estados e a união, como ressalta
Marcelo Moura, professor do Insper.
De um lado, Brasília resiste a
uma descentralização dos tributos. Do outro, alguns estados se opõem a
mudanças no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Hoje,
esse imposto é cobrado em parte pelo Estado produtor e em parte no
destino das mercadorias – o que torna seu pagamento complexo e permite o
uso de isenções fiscais para atrair investimentos produtivos, na
chamada "guerra fiscal".
A reforma de 2008, por exemplo, propunha
que se privilegiasse os estados de destino na arrecadação – o que
enfrentou grande oposição de estados produtores do Sudeste.
"Mas
também já tivemos reformas e leis que enfrentaram resistência dos
Estados e mesmo assim foram aprovadas, como a Lei de Responsabilidade
Fiscal", diz Afonso.
"Por isso, no caso da reforma tributária, acho que tem faltado mesmo empenho do Executivo."
2. Resistência de grupos de interesse
O
sistema tributário brasileiro é repleto de situações de exceção e
privilégios – e para alguns setores, mudanças podem significar o fim de
vantagens.
Talvez o exemplo mais claro de resistência de grupos
específicos às reformas diz respeito a propostas, encampadas por
organizações da sociedade civil, para tornar o sistema mais
"progressivo" – ou seja, para garantir que os ricos paguem
proporcionalmente mais imposto.
A avaliação dos especialistas é
que, hoje, dificilmente um aumento significativo de tributos sobre o
topo da pirâmide social brasileira conseguiria ser aprovado no
Congresso.
O Imposto sobre Grandes Fortunas, por exemplo, foi estabelecido pela Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado.
"E
isso não é surpresa dado que quem deveria votar a regulamentação são
políticos donos de grandes fortunas", diz Olenike, do IBPT. Um
levantamento do portal G1 mostra que 248 deputados eleitos (para as 513
vagas na Câmara) são "milionários", de acordo com a declaração
patrimonial.
Afonso também cita o caso do Imposto Territorial Rural, cuja arrecadação seria baixa no Brasil se comparada a de outros países.
"Com
as dimensões territoriais de nosso país, arrecadamos em ITR em todo o
Brasil o mesmo que com IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) no
bairro de Copacabana", diz.
No caso, a oposição de produtores
rurais, com forte representação no Congresso, também ajudaria a impedir a
expansão da arrecadação nessa área.
3. Falta de consenso
Para
entender o último fator que atravanca a reforma tributária no Brasil,
basta dar uma olhada na discussão que a BBC abriu sobre o tema no
Facebook.
O leitor André Luzardo defende que é preciso aumentar a alíquota máxima do imposto de renda de 27,5% para 50-60%.
Já Renato Souza Melo acredita que "se os pobres usam mais dos serviços públicos, devem pagar mais".
E, para o leitor Albert Guedes, "sistema mais justo é aquele que não cobra imposto, já que imposto é assalto por definição".
Se
há certo consenso na sociedade de que uma reforma tributária é
necessária, o mesmo não pode ser dito sobre a direção dessa reforma.
Seja por convicção ou interesse pessoal, diferentes grupos defendem diferentes reformas.
"E,
até por isso, muitos políticos falam em reforma tributária, mas poucos
se arriscam a detalhar qual mudanças pretendem levar adiante", diz
Olenike.
Para Marcelo Oliveira, do Instituto Justiça Fiscal, isso
ocorre porque, em última instância, a discussão sobre "quanto de
impostos pagamos" e "como pagamos esses impostos" é uma discussão sobre
que tipo de Estado queremos.
Mais Estado? Menos Estado? Um Estado
que garante serviços básicos aos mais pobres? Ou se propõe a atender a
toda a população? Que taxa mais os ricos? Ou pelo qual todos pagam
igualmente?
"Quem é a favor de um Estado mínimo, por exemplo, obviamente defende menos imposto", diz Oliveira.
"Esse é um tema que dificilmente suscita consensos e, sem um norte claro, é mais difícil avançar." (BBCBrasil)
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