segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Reeleição de Dilma contrasta com intensificação de sentimento antipetista

Vitorioso nas urnas, o Partido dos Trabalhadores (PT) se prepara para completar 16 anos na Presidência do país com o novo mandato de Dilma Rousseff. A longevidade do ciclo petista, porém, contrasta com uma rejeição aparentemente cada vez mais intensa ao partido por parte expressiva do eleitorado.
Dilma venceu em 15 Estados, incluindo todos os do Nordeste, além de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Por outro lado, Aécio triunfou em 12 – entre eles todos os da região Sul e São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.
Em cinco Estados – São Paulo, Santa Catarina, Acre, Distrito Federal e Paraná -, o tucano venceu com acima de 60% dos votos válidos. Nos demais, o ex-governador mineiro venceu com mais de 53%.
O antipetismo foi explorado na campanha do tucano Aécio Neves, que na reta final da disputa disse que "libertaria o país" do partido. Em textos e vídeos difundidos nos últimos dias, alguns eleitores ilustres – como o escritor Pablo Villaça e o ator Gregório Duvivier - relataram ter sofrido ameaças ou ofensas de desconhecidos por terem decidido votar no PT.
Adesivos de autoria desconhecida difundidos pelo país associavam Dilma ao ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), incitando-a a deixar o poder e a "levar o PT junto".

O que explica esses acontecimentos?
Cientistas políticos entrevistados pela BBC Brasil concordam que o discurso contra o PT se tornou mais agressivo nesta eleição, e apontam razões que vão do "desgaste natural" sofrido pelo partido nos 12 anos em que permaneceu na Presidência à piora da economia no governo Dilma.
As pesquisas não permitem concluir, no entanto, se a rejeição ao PT cresceu entre os brasileiros ou se apenas se tornou mais intensa entre os que já reprovavam o partido.
Em levantamento do Datafolha da última sexta, 37% disseram que não votariam em Dilma "de jeito nenhum". O índice chegava a 55% entre os eleitores com renda familiar mensal maior que dez salários mínimos e a 86% entre os eleitores que preferem o PSDB.
A rejeição a Aécio, contudo, era ainda maior: 41% disseram que não votariam no tucano em hipótese alguma, número que chegava a 81% entre os eleitores que preferem o PT.

Lentidão econômica
Para David Fleischer, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), o fortalecimento do discurso anti-PT se deve principalmente ao desempenho econômico do governo Dilma.
"A economia está muito devagar especialmente neste ano, com PIB baixo e inflação alta. O setor industrial está descontente, e a classe média também."
Segundo o professor, a rejeição ao partido também reflete uma piora na aprovação da presidente. A quatro dias do segundo turno em 2010, os brasileiros davam nota média de 6,8 ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na pesquisa da última sexta, Dilma recebeu a nota 6,4.
Para Carlos Melo, consultor e professor de ciência política do Insper, em São Paulo, o PT sempre foi um partido controverso e desde sua fundação desperta sentimentos antagônicos entre os brasileiros.
Ele cita algumas decisões polêmicas do partido, como sua oposição ao Plano Real, à eleição de Tancredo Neves e a sua recusa em chancelar a Constituição de 1988.
Para ele, em seu início, o partido polarizava a sociedade ao dizer-se defensor dos trabalhadores e ao criticar as classes dirigentes. A sigla, segundo Melo, se anunciava ainda como moralizadora da política. Estas posições, diz o professor, provocaram reações de outros partidos, que passaram a se posicionar como anti-PT.
Segundo Melo, o malufismo – corrente do ex-prefeito paulistano Paulo Maluf (PP) – foi um dos primeiros grupos a ocupar esse posto. "Quando o malufismo se enfraquece, o PSDB, que era um partido de centro, acaba migrando para a centro-direita e se coloca nesse papel."

'Mordeu a língua'
Ao chegar ao governo, porém, Melo afirma que o PT "mordeu a língua". "Ele foi obrigado a fazer alianças, a ceder recursos, e logo surgiram os casos de corrupção."
O maior deles, o mensalão, provocou grande turbulência no primeiro mandato de Lula e voltou a afetar a imagem do partido no ano passado, quando importantes dirigentes petistas foram condenados e presos.
O resultado do julgamento reforçou as críticas que associam o PT à corrupção.
Para Renato Monseff Perissinotto, filiado ao PT e professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o partido errou ao se envolver nesses escândalos, mas foi tratado de maneira injusta pela grande imprensa.
Antes do governo Lula, diz ele, os principais veículos não davam grande destaque aos partidos envolvidos em denúncias de corrupção, mas sim aos indivíduos implicados.
"Construiu-se a ideia de que o PT era a fonte de todos os males do Estado brasileiro."
Para ele, "não se trata de dizer que não houve corrupção". "Certamente houve, mas a forma como os casos foram apresentados transformou o PT numa agremiação inescapavelmente vinculada a esse tipo de comportamento."
Perissinotto diz que outros governos brasileiros populares ou de esquerda também sofreram o mesmo tratamento, entre os quais o segundo mandato de Getúlio Vargas (1951-1954) e a gestão João Goulart (1961-1964).

'Monopólios'
O professor diz ainda que há outro motivo por trás da rejeição ao partido: as políticas de inclusão social, que ganharam grande impulso nos anos Lula.
"O PT quebrou três monopólios importantes: o do carro, o do aeroporto e o do título universitário. Isso incomodou muita gente."
Ele afirma, contudo, que o partido também tem sua parcela de responsabilidade pelo crescimento do antipetismo.
"O PT fez uma demonização infantil da classe média, tachando-a de conservadora, e deixou de tentar conquistá-la por meio de políticas como a reforma tributária, a desburocratização do Estado e a melhoria dos serviços públicos."
"Isso colaborou para que o antipetismo crescesse a um nível jamais visto." (BBCBrasil)

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