quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Vale a pena?

Victor Mascarenhas


Querer ganhar o poder ou mantê-lo a qualquer preço vale a pena? Como o vencedor vai lidar com os escombros de uma eleição que dividiu o país e até amigos de décadas, que brigam contaminados por uma polarização entre dois partidos com, programaticamente falando, mais semelhanças do que diferenças?

No desfile de ignorância, grosseria e desconhecimento histórico que vemos nessa campanha, não vejo ninguém relembrando ou relatando que Lula e FHC têm um passado em comum e que, no final da ditadura e antes da criação do PT, Lula fez campanha para FHC- então candidato ao senado - e FHC esteve presente em várias reuniões que resultaram na fundação do PT e só não se filiou ao partido por já fazer parte de outro na época, mas muitos dos petistas fundadores eram amigos e ex-alunos dele.

Ninguém fala que na campanha de 1989, o PSDB apoiou o PT contra Collor e inúmeras vezes os dois partidos estiveram juntos contra Maluf em São Paulo e contra ACM na Bahia, por exemplo, assim como estiveram juntos na Constituinte em diversas votações importantes para os trabalhadores e para a área social, unidos contra muitos dos que hoje são aliados tanto de um quanto do outro.

Mas aí veio a eleição presidencial de 1994 e os dois partidos se separaram de vez na luta pelo poder e, desde então, mesmo pensando e agindo de modo semelhante em diversos aspectos, criaram essa polarização insuportável que culmina agora na eleição mais violenta desde 1989.

Não faz bem pra ninguém que o debate político se transforme em debate sobre quem é mais ou menos corrupto, muito menos entre quem sopra o bafômetro ou não. Não faz bem pra ninguém que o país se divida entre pobres e ricos, entre nordestinos e sulistas, ou coisa que o valha. Adversários não precisam ser inimigos. Brasileiros não precisam ser inimigos de brasileiros.

Lula é o maior líder político do Brasil desde Getúlio e mostrou grandeza ao não encampar a tese absurda do terceiro mandato. Esperava dele, a quem muito admirei um dia e que admiro menos hoje, que tivesse mais grandeza na condução da campanha de Dilma, que não endossasse o massacre que fizeram com Marina e não deixasse o nível da campanha chegar ao fundo do poço como chegou nesse segundo turno, logo ele que foi vítima de tantos ataques em eleições passadas. Assim como esperava de FHC, a quem também muito admirei um dia e que admiro menos hoje (embora mantenha a admiração ao sociólogo e aos seus livros), por permitir que seu partido, que trouxe os conceitos da social democracia para o Brasil, virasse o escoadouro de muitos dos que representam o pensamento político mais atrasado do Brasil, já que os outros representantes dessa categoria estão, infelizmente, ligados ao PT.

Confesso que esperava mais do PT quando chegou ao poder do que esperava do PSDB, e, portanto, minha decepção foi maior. Acreditava no PT pela formação diferente do partido, por ser a agremiação que trouxe os movimentos sociais para dentro da vida partidária e pela postura de muitos dos seus líderes. Mesmo assim, continua não entrando na minha cabeça que o PT, entre Fernando Collor e Fernando Henrique, prefira ficar com Fernando Collor. Mas ainda tenho esperança em Fernando Haddad e numa renovação do PT caso venha a perder a eleição.

São inegáveis as virtudes e o legado positivo dos governos do PSDB e PT, que mudaram a história do Brasil, o primeiro acabando com a hiperinflação e o segundo avançando na distribuição de renda, mas quero lamentar e repudiar o que virou essa campanha.

O meu candidato nessa eleição, infelizmente, está morto, assim como está quase morto meu entusiasmo para votar em alguém depois de assistir os debates e programas eleitorais do segundo turno, mas já escolhi em quem votar. Não vou declarar minha escolha, até porque não estou disposto a ser agredido pelos que não concordem com ela. Se alguém quiser especular sobre meu voto, boa sorte e boa sorte também para todos nós, que vamos viver nesse país tão complicado, que precisava de mais soluções e consensos do que de agressões e divisões.


Victor Mascarenhas - formado em Comunicação, com pós-graduação em Roteiros para TV e Vídeo. Atua também como publicitário, professor e roteirista. Como redator publicitário, recebeu diversos prêmios e atuou em campanhas políticas.

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