segunda-feira, 19 de julho de 2021

Crônica de segunda

 Dona Detinha

                A coisa deve ter acontecido mesmo, em alguma cidadezinha destes Brasis interiores, mas hoje em dia é contada como piada. Trata-se da história de um menino e uma menina que, embora de famílias bem diferentes na escala social, estudaram e cresceram juntos naquela cidadezinha, e continuaram amigos pelo resto da vida.

         O garoto virou pedreiro e a garota casou-se com político. Certo dia, ela se preparava para recepcionar alguns correligionários do marido e chamou o amigo para pedreiro para consertar uma parede na frente da casa,  que estava feia, desbotada e com o reboco quebrado em alguns lugares.

         O pedreiro providenciou o material, fez o reparo, pintou e, antes de ir embora, avisou à amiga (que agora era a primeira  dama da cidade), de que o serviço estava pronto e que ele já estava indo embora. Quando ela lhe perguntou quanto custara o serviço, ele recusou o pagamento, alegando que era um presente. Ante a insistência da amiga em remunerá-lo pelo serviço, ele, na sua simplicidade de quem está no boteco jogando dominó e bebendo com os amigos, retrucou com veemência:

         - O que é isso Dona Detinha? Eu vou cobrar por uma bobagem dessas. Vá se foder Dona Detinha! Vá tomar no cu Dona Detinha! Deixa de bobagem...

         Eu tô contando isto, pra poder falar de Dona Valdete, Detinha para os íntimos, mãe do meu amigo César Cão. Ela é uma destas pessoas que a gente não consegue deixar de gostar. Pra mim, tem um valor especial, porque ela tem um temperamento igual ao da minha mãe. Alegre, positiva, brincalhona, cervejeira, carnavalesca, enfim, tudo que eu gosto numa pessoa.

         Pra que se tenha uma ideia de como ela é, vou contar um caso. César Cão tava dando uma festa no sítio (a Granja do Torto), e nosso amigo Dito resolveu dançar com Detinha. No meio da dança, ela chamou César e disse pra todo mundo ouvir: Olha César, Dito tá dançando comigo de pau duro. Quando Dito explicou que o volume era do telefone celular, ela não perdeu a chance: “Ah! Tá fazendo propaganda enganosa, é?” Assim é Detinha.

         Houve um tempo em que, diariamente, ela se sentava com seu irmão, Vilobaldo, numa mesa do Boteco do Vital, ao meio dia, e ficava ali cerca de uma hora, conversando e bebericando suas cervejotas. E quem é como Detinha, só pode ter um filho como César Cão.

         E foi assim que, um dia, eu estava com alguns amigos sentados a uma mesa próxima do orelhão do Boteco do Vital, onde um sujeito estranho telefonava, quando César Cão foi chegando e, vendo Detinha e o irmão sentados à mesa de sempre, foi se aproximando falando alto: “E aê Dona Detinha? Cá se foder Dona Detinha! Vá tomar no cu, Dona Detinha.”

         Falou e foi direto ao balcão. O cara que estava no telefone, desligou  e nos abordou perguntando: “Como é que é pessoal? O cara chegou ali esculhambando a pobre senhora e ninguém diz nada? Ninguém vai tomar uma providência, não?”

         Calmamente, eu lhe respondi: “Amigo, imagine que ela é a mãe dele. Já pensou se não fosse?”

 NE: Publicada no livro Sempre Livre (2010)

Nenhum comentário: