sábado, 15 de janeiro de 2022

 

Soletrando

 Foi muito divertido.

Por isso, decidi converter em texto o ocorrido em 2006, quando meu guri menor – o mirim – completara seis anos. Experiência agradável, enriquecedora, e merecedora de um charuto para acompanhá-la. Isto não sendo aconselhável por envolver menor de idade, conformei-me com o charuto enquanto palavra.

 Aos fatos.

 O citado filho, então às voltas com a iniciação na leitura - a alfabetização é um dos mais importantes ‘ritos de passagem’ do ser humano - adorava chegar de mansinho, canguru pé ante pé, simulando grandes saltos em câmara lenta atrás de mim, quando eu estava ao computador.

 Debruçando-se carinhosamente, em meu ombro, sem pedir licença, esforçava-se em ler as velozes palavras digitadas, fugidias do teclado em direção à luminosa tela do monitor.

 “- Pô pai!” - protesta ele.

“- Tá muito rápido, assim eu não posso ler!”

“- Como tua mão aprendeu a ver as letras?”

 Posei de desentendido, para não perder a linha de raciocínio.

Impossível prosseguir. O guri insiste.

 “- Bota umas letras grandes pra eu ler, papai!”

 Não me fiz de rogado, digitei em letras graúdas:

 CHARUTOS

 Malvadeza pura.

 O menino, ainda no ‘bê-a-ba’, no ‘dê-a-da’ e fui desafiá-lo com a muralha de um ‘ch’ mais um plural.

 Mesmo assim, o ‘bichinho’ não se intimidou.

 Com destemor, próprio dos desconhecedores das armadilhas da vida, aos trancos, começou a desfiar; eu rindo discretamente:

 “- Ce - agá – a – rê -  u -  tô -  si.”

 Tento ajudá-lo, explicando:

 “- Ce + agá + a = cha;

rê + u = ru;

tô + si = tos. Charutos.”

 Atento, o guri sabido a mais não poder, sai pela tangente, vinga-se de mim e dá-me uma bronca:

 “- Pô pai! Eu não tô lendo, eu só tô soletrando!”

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

 ([email protected])

 

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