Soletrando
Foi muito divertido.
Por isso, decidi converter em texto o ocorrido em 2006, quando meu guri menor – o mirim – completara seis anos. Experiência agradável, enriquecedora, e merecedora de um charuto para acompanhá-la. Isto não sendo aconselhável por envolver menor de idade, conformei-me com o charuto enquanto palavra.
Aos fatos.
O citado filho, então às voltas com a iniciação na leitura - a alfabetização é um dos mais importantes ‘ritos de passagem’ do ser humano - adorava chegar de mansinho, canguru pé ante pé, simulando grandes saltos em câmara lenta atrás de mim, quando eu estava ao computador.
Debruçando-se carinhosamente, em meu ombro, sem pedir licença, esforçava-se em ler as velozes palavras digitadas, fugidias do teclado em direção à luminosa tela do monitor.
“- Pô pai!” - protesta ele.
“- Tá muito rápido, assim eu não posso ler!”
“- Como tua mão aprendeu a ver as letras?”
Posei de desentendido, para não perder a linha de raciocínio.
Impossível prosseguir. O guri insiste.
“- Bota umas letras grandes pra eu ler, papai!”
Não me fiz de rogado, digitei em letras graúdas:
CHARUTOS
Malvadeza pura.
O menino, ainda no ‘bê-a-ba’, no ‘dê-a-da’ e fui desafiá-lo com a muralha de um ‘ch’ mais um plural.
Mesmo assim, o ‘bichinho’ não se intimidou.
Com destemor, próprio dos desconhecedores das armadilhas da vida, aos trancos, começou a desfiar; eu rindo discretamente:
“- Ce - agá – a – rê - u - tô - si.”
Tento ajudá-lo, explicando:
“- Ce + agá + a = cha;
rê + u = ru;
tô + si = tos. Charutos.”
Atento, o guri sabido a mais não poder, sai pela tangente, vinga-se de mim e dá-me uma bronca:
“- Pô pai! Eu não tô lendo, eu só tô soletrando!”
Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.
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