segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

O candeeiro de estrelas

Está no Gênesis. Deus, disse: “ que exista a luz”. E a luz existiu. Suas palavras criaram a vida no paraíso, o lual, sem pagode e taxa condominial. Depois veio a luz artificial e tudo mudou. A luz se tornou nossa esperança predileta, pois sempre acreditamos que há luz no fim do túnel, ainda que o túnel esteja cada vez maior e ela difícil de ser vista.
Diógenes, com sua lanterna, vagava por Atenas procurando um homem honesto. Hoje, o grau de dificuldade tornou-se tão acentuado que apesar da energia elétrica e cósmica consumida em Brasília ainda não conseguimos completar sua busca. Goethe, autor de Fausto, antes de morrer, murmurou: “Luz! Mais luz”! Não sabemos se já enxergava a escuridão do lado de lá ou queria apenas deixar um grand finale e uma frase perfeita nessa hora pode ser tudo.
A primeira luz, antropologicamente, foi o fogo, até que Edson inventou a lâmpada e as concessionárias de energia inventaram a selvageria da conta. Na evolução fomos iluminados de várias formas. Do tição ao óleo de tartaruga, passando aqui nos lados sertanejos pelos candeeiros e fifós.
Tenho terna lembrança dessa forma de iluminação porque na roça onde cresci não tinha luz elétrica. Usávamos candeeiros, feitos com lata de óleo. À noite, lia o jornal para meu pai, com o fifó correndo sobre as letras, e, sei lá porquê, vou escrevendo e sendo tomado por uma súbita emoção e saudade, que cronista, embora não pareça, também é humano e tem lá suas fraquezas. Tinha prazer quando me pediam para trocar o pavio de algodão que havia apreendido a trançar e que executava como um Da Vinci a pintar a Mona Lisa.
Depois dos fifós de lata apareceu um chamado Aladim- mais elaborado- e, só na adolescência, a eletricidade. Foi sob a conivente luz do pavio que descobri os segredos do corpo de uma moça. A luz produziu mudanças, como não bater leite na garrafa para fazer manteiga, ou rachar lenha para o fogão. Às vezes, durmo lá, com os filhos. A casa, atualmente forrada, já não deixa passar sereno pelas telhas nas noites de chuva - quem já morou assim sabe o que estou dizendo e quem nunca experimentou não sabe a delícia que perdeu.
Uma noite, estávamos à beira do curral, conversando. A menor cismou de perguntar porque tinha todas aquelas luzes no céu. Na Via Láctea - corrigiu meu filho maior, chamando a irmã de burra. Na falta do que inventar disse a eles que o céu era infinito, mais do que nossos olhos juntos, ao mesmo tempo, podiam ver. E todos que tinham a alma pura, os honestos, os que viveram seus amores inteiros, todas as famílias, iriam lá, se reunir. Mas, como era muito vasto e escuro, Deus, que amava a todos, precisava iluminar os caminhos dos encontros e para isso usava candeeiros. E que eu os amava tanto, que um dia andaríamos por lá, juntos. Iluminados pelo candeeiro de estrelas.

Nenhum comentário: