sábado, 1 de janeiro de 2022

 

Adolescente das letras

          O cronista é um maquiador do dia-a-dia; se o espelhasse deixaria de ser cronista – seria retratista.

          Maquiar, idealizar a realidade, exige dos que a isto se atrevam, certa plasticidade de pensamentos para, sem mentir, expressarem-se como outros gostariam de fazê-lo. Graças ao discernimento, nato ou adquirido com estudo e amadurecimento, consegue-se definir situações nas quais em lugar da verdade nua e crua, melhor insinuá-la ou deixar parte dela fora da história.

          Via de regra, é preferível sermos amáveis a nos mostrar sinceros.

 A amabilidade, reverso da medalha da generosidade, é importante, pois nem todo mundo gosta das mesmas coisas, vota nos mesmos políticos, fuma os mesmos charutos, abraça os mesmos valores, professa a mesma fé ou bebe na mesma fonte.

 Minha avó materna, dona de falta de sensibilidade a toda prova – Deus a tenha – sempre afirmava, alto e bom som, ser “muito branca e muito franca”. Sua extrema sinceridade impedia espaços a gestos de gentileza e, por isso, ela deve andar encontrando algumas dificuldades lá por cima. Transitava na contramão da comunicação humana. Houvesse tido o dom da escrita teria sido péssima cronista.

 O cronista, por ser um tanto sonhador, assemelha-se a um adolescente das letras. Como adolescente, “tenta captar o abstrato, dominar o significado inefável do eu e do outro, determinar princípios próprios, procurando ancorar tudo isso no mundo real”.

 Por trabalhar com imaginação plástica, não com objetiva fotográfica, ele mais pende a um Salvador Dali, embora aspire dons de um Sebastião Salgado.

  Quase um surrealista das letras vai, com o auxílio da metalinguagem, demonstrar a realidade ser fruto da responsabilidade de cada qual naquilo que vê e testemunha, buscando em cada fato ou ato, um esgar de humor liquefeito em palavras, pois, no fundo, tudo quanto se presencia neste ‘mundo de meu Deus’, seria cômico, não fosse trágico.

 Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

 ([email protected])

Nenhum comentário: