domingo, 16 de janeiro de 2022

 


* Desjejum sertanejo *

Estava em meio à floresta dos séculos e curtia a sombra da árvore em cujo tronco gravara-se o numeral 2015. Era época do despencar das derradeiras ramagens; o vento dos confins da eternidade dera sumiço às demais.

 Redivivo, emerjo de breve período de silêncio, caramujice à qual sou dado. Comporto-me, em dadas ocasiões, como soldado fugidio ao recorrer à tática do silente recuo nem sempre covardia; vezes até, sabedoria. Em momentos assim, a inspiração parece migrar para o vazio sideral como se morta e sepultada estivesse. Sem prece, ressurreição não acontece.

 Programara ir a Feira de Santana, bem cedinho, em jejum e alvo certo. Sol estival desvirginava a linha do horizonte. A intenção? Sedutor desejo gastronômico a badalar em minha mente. Para tanto, especial reencontro, ponto feirense onde se teima servir um café da manhã atraentemente sertanejo.

 Para atender a quem não entende o recado na enorme placa - Pamonha & Cia. -, a casa também oferece, no cardápio, mistos-quentes, milk-shakes, hambúrgueres, coisas assim, americanizadas, corra delas!

 É prazeroso curtir os instantes do desjejum naquele reduto, foco de resistência da tradição culinária regional.

 Cheiros e cores, matizes e gostos se mesclam, indecifráveis quando, entre as inúmeras iguarias sertanejas, a gente, por exemplo, é servida com belo suco de milho gelado na companhia de beiju farto em manteiga recoberto com queijo coalho derretido.

 Estava a me deliciar com tais sabores do autêntico viver nordestino quando certo pardal intrometido, vindo pinicar as migalhas, ficou a olhar-me curioso e desassustado. Não se moveu, sabia que sou puro. Outros mais, pardais, chilreando pululavam sobre as mesas circunvizinhas, ainda vazias, à espera das sempre bem-vindas migalhas.

 Em meio àquela sinfônica passarada, estômago repleto e espírito inspirado, senti fulgurar meu momento de São Francisco de Assis.

 “Assis“ seja!

Hugo A de Bittencourt Carvalho

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