sábado, 7 de maio de 2022

 


*Alma sertaneja*

             Falar do sertão me dá água na boca.

As coisas do sertão - conheci, já adulto, ao vir para a Bahia - conquistaram-me corpo e alma ou mente e coração, como apreciam os jornalistas. Para completar, fez-se sertanejo meu último quarteirão da existência: uni minha vida a uma descendente de sertanejos e nossos dois filhos, nasceram em Feira de Santana, a “Princesa do Sertão”. Preciso dizer mais? 

Agora, imaginem! Um gaúcho criado na culinária sulista, hoje delicia-se com feijão tropeiro, carne de bode, carne de sol com pirão de leite, galinha caipira, ovos de quintal. 

Ao falar das boas coisas do sertão, acresce lembrar o café da manhã daqui, ao qual acodem o cuscuz, a batata doce, a banana da terra, o inhame, a fruta-pão, o mingau de tapioca, a farofa de carne seca, o jerimum, os bolos de milho verde, de carimã e massa puba. 

Pois é! O sertão tem o sabor de tudo isto. Cheira à visguenta jaca, precioso alimento das “merendas” dos trabalhadores rurais; sabe ao agridoce umbu, chupado como fruto ou transformado em umbuzada; lembra as ‘fufutas’ de milho ou amendoim - juntados ao açúcar cristal - trituradas no pilão - ingeridas às colheradas ao café da manhã, nas primas horas. 

O sertão derrete-se em sabores, como na mão da gente se esfarela a açucarada pinha; surpreende-nos com seus cajus, amarelos e vermelhos, disputadíssimos para as deliciosas cajuadas e, recortados, comporem os tragos das ‘caninhas’ para ‘abrir o apetite’. 

Tudo isso sendo pouco, a graviola e a cajarana feitas sucos, frequentam também nossos paladares, nutridos pelos beijus de coco e pelos crocantes aipins-manteiga deliciosamente fritos. Quando, após tanto, desfaço-me nas fumaças de meus charutos, mesclam-se olores e sabores raros. 

A vocalidade sertaneja, por outro lado, parece ter sido moldada por tais sabores natos do viver desapressado. Os sons do linguajar do sertão são modulados por tons e frequências descansadamente musicais. Gostosos de ouvir. Delícias sonoras que, para abrandar os ‘nãos’ da vida, fizeram o homem do sertão adiar a negativa para após o verbo. 

Pergunte ao sertanejo algo que, porventura, ele não saiba.

Jamais, sua resposta será um duro “Não sei!”.

Dirá, isso sim, num espichado sussurro - quase pedido de desculpas nascido no fundo d’alma - “Sei, não!”.

 Assim é a alma sertaneja.

Doce e delicada.

Incapaz de lhe fazer uma desfeita.

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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