segunda-feira, 9 de maio de 2022

Os rituais de beleza milenares que estão voltando à moda

 

Práticas de beleza milenares estão ajudando as pessoas a viver de forma mais consciente — em relação à sua própria saúde e ao planeta

No filme Cleópatra, de 1963, a rainha do Egito interpretada por Elizabeth Taylor recusa um convite do mensageiro de Marco Antônio, enquanto repousa nua em uma banheira cheia de leite coberta de flores, brincando despretensiosamente com um navio dourado.

O filme pode ter tido seus problemas — como as célebres discussões entre Taylor e seu par romântico, Richard Burton — mas sua iconografia é conhecida. No antigo Egito, as rainhas e deusas eram admiradas por seu poder e sensualidade e por suas profundas associações com o mundo natural, a maternidade e a cura.

A Cleópatra de Taylor aparece frequentemente tomando banho de banheira e sendo paparicada, como teria sido a personagem na vida real. Os rituais de beleza dos abastados do Egito antigo eram demorados e complexos, começando com longos banhos de leite em infusão com óleo de açafrão.

Mas nenhum desses elementos era por acaso. O ácido lático ajudaria a esfoliar a pele, enquanto o açafrão é usado para tratar uma série de condições há milhares de anos.

Essa especiaria é colhida cuidadosamente dos estigmas cor de laranja da flor púrpura Crocus sativus. Cultivado no cinturão quente e seco que vai da Espanha, no oeste, até a Caxemira, no leste, o açafrão é conhecido como "ouro vermelho" por sua intensidade e pelo custo da sua produção.

As flores precisam ser colhidas manualmente de madrugada e seus finos ramos são delicadamente raspados. São necessárias quase 9 mil flores para gerar apenas 50 gramas de fios de açafrão.

Hoje, seu preço já é alto e, como as mudanças climáticas vêm ameaçando seu cultivo, deve subir ainda mais.

Em comparação com o apelo futurista de alguns dos produtos mais vendidos hoje em dia, a realidade nua e crua das origens do açafrão pode parecer irrelevante. Afinal, quem se importa em saber de onde vêm as coisas enquanto aplica um supercreme que custa R$ 500 o pote?

Um relatório do Grupo NPD, especializado em pesquisa de mercado, concluiu em 2021 que 68% dos consumidores querem produtos de tratamento para a pele formulados com ingredientes "limpos" — ou seja, sem substâncias químicas artificiais, como PFAs (compostos perfluoroalquil e polifluoroalquil), parabenos e ftalatos.

Atendendo às exigências de maior prestação de contas da indústria, um grupo de grandes marcas de beleza lançou o Consórcio EcoBeautyScore, para estabelecer um sistema de avaliação de impactos ambientais, com transparência global.

E, em iniciativa similar, a nova Coalizão B Beauty pretende reunir certificações individuais para enfrentar os impactos consideráveis causados pela indústria.

O interesse por ingredientes naturais e orgânicos continua a aumentar, tendo atingido US$ 11,9 bilhões (cerca de R$ 59,2 bilhões) em 2020 — um crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior, segundo a empresa de pesquisas britânica Ecovia Intelligence.

E, neste admirável mundo novo preocupado com a igualdade social e natural, os rituais e ingredientes naturais usados por Cleópatra fornecem uma rica fonte de inspiração.

"Fomos ensinados a ignorar as tradições e buscar produtos 'direto do laboratório'", segundo a guru da beleza natural Imelda Burke, no seu livro The Nature of Beauty ("A natureza da beleza", em tradução livre), de 2016.

"Mas, embora os novos desenvolvimentos sejam importantes, há muito que podemos aprender com nossos antepassados."

O óleo de rosas, por exemplo, tem uma longa história no Oriente Médio. A Turquia, que ainda é um dos maiores produtores mundiais, nutre sua paixão pela água de rosas purificada há dois mil anos. Atualmente, o óleo pode ser encontrado em versões modernas, sendo vendido por uma quantia considerável.

E não é de se admirar: repleta de vitaminas, sais minerais e antioxidantes para hidratar a pele, a flor mais admirada do mundo é um anti-inflamatório que pode ser usada para acalmar a pele irritada, oferecendo ainda seu típico aroma de jardim.

A cúrcuma é outro exemplo. Embora sua demanda no mundo ocidental tenha aumentado nos últimos anos (não só no café com leite), essa raiz amarela brilhante é essencial na prática ayurvédica há mais de 4,5 mil anos.

"A cúrcuma é um bom promotor da imunidade, possui fortes propriedades antioxidantes e é cerca de cinco a oito vezes mais potente que as vitaminas C e E", declarou à revista Vogue o farmacêutico Shabir Daya, da empresa britânica Victoria Health.

Na Índia, os noivos aplicam cúrcuma nas suas mãos e rostos antes do casamento, como símbolo de purificação e bênção. O ingrediente ativo da cúrcuma é a curcumina — que também pode ter efeitos colaterais, no entanto.

Já as mulheres berberes, no Marrocos, até hoje recolhem óleo de argan dos ramos espinhosos das árvores. Rico em ômega 3 e 6, o que é bom para a pele, o óleo de argan é comercializado como um cobiçado produto de beleza na região próxima ao Mediterrâneo há milhares de anos.

No outro lado do mundo, na Polinésia, o óleo de monoi, produzido ao mergulhar as pétalas de gardênias do Taiti em óleo de coco, foi criado há dois mil anos pelo povo nativo maohi, que reconhecia suas propriedades amaciantes para a pele e os cabelos.

E, na Costa Rica, os povos bribri e cabécar usam o chá verde para melhorar a pele, ajudar a clarear manchas e reduzir inflamações.

Todos esses ingredientes chegaram aos produtos ocidentais de tratamento para a pele. Mas a questão não é mais se as marcas ocidentais incorporaram ervas e especiarias exóticas como a próxima "novidade", em algum resquício de mau gosto da colonização. A indústria da beleza vem observando uma quantidade cada vez maior de mulheres negras e indígenas tomando posse de sua herança histórica com o renascimento de rituais e ingredientes ancestrais, de forma a celebrar suas culturas, em vez de se apropriar delas — e sempre de acordo com as suas necessidades.

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