segunda-feira, 30 de maio de 2022

Crônica de segunda - No escurinho do cinema

      

            Muitos relacionamentos estáveis que ainda vejo hoje em dia, tiveram começo no escurinho, seja dos cinemas, de ruas desertas ou até mesmo em portões de casas, onde as lâmpadas dos postes de iluminação eram devidamente quebradas a badogadas. Quem da minha geração não pagou, ao menos uma vez na vida, a um moleque para quebrar a lâmpada do poste em frente à casa da namorada?

         É verdade que muitas donzelas se perderam nestes escuros, mas também é verdade que muitas outras encontraram, nestes mesmos escuros, os amores das suas vidas. Na maioria dos casos a gente só queria mesmo era tirar um “sarro”. Um beijo mais ardente, um amasso aqui, uma “mão boba” acolá, e depois a gente ia se aliviar nos bregas, que ninguém tem sangue de barata.

         O meu namoro com Maura, com quem vivo há 30 anos, também começou no escuro. Não do cinema, mas do laboratório fotográfico do jornal em que trabalhávamos e aonde fomos com ACM (não o político, o fotógrafo), revelar as fotos que tínhamos feito minutos antes, na nossa confraternização anual. Eu já vinha lhe paquerando há algum tempo e, com umas a mais na cabeça, foi a deixa pra que roubasse um beijo.

         Mas, o escurinho do cinema era imbatível. Lembro-me que havia até uma escala, não oficial, de frequentadores dos cinemas de Feira de Santana. Os sábados eram dos jovens e dos adolescentes, e os domingos eram das crianças. Os dias de semana eram divididos. As tardes eram reservadas para os amores escondidos e as noites eram dos casais, das famílias. Eram famosas as matinês das segundas-feiras, no cine Santanópolis, onde os amantes se encontravam e ficavam ali namorando. Os homens mascando chicletes e as mulheres chupando dropes de anis e outras “cositas mas”.

         Mas tudo tinha que ser feito com muito cuidado porque o lanterninha não dava folga. O danado sabia o que rolava lá dentro e bem que podia deixar os casais em paz. Mas, talvez para justificar o seu salário (afinal era pago para zelar pela moral e os bons costumes), volta e meia estava lá, de lanterna em punho, tentando flagrar um casal mais assanhado.

         Eu tenho um amigo que quase deixa um lanterninha maluco com um truque simples. Ele fechava a mão esquerda, e com os dedos indicador, médio e anular da mão direita ele batia entre os dedos da esquerda, produzindo um ruido que parecida o de alguém se masturbando. Ele trocava de lugar sempre e o lanterninha ficava doido, pra lá e pra cá, tentando flagrar o tarado.

         As matinês de meio de semana eram uma terapia sensacional para aliviar o “estresse” diário, embora essa palavra ainda não existisse. A gente ficava ali, namorando escondido, soltando piadas, perturbando o lanterninha, aliviando as tensões. Cinema sempre tem os gaiatos, que assistem o filme várias vezes e fazem piadas com as cenas que já viram. Algo assim como uma artista famosa que que vai embarcar em um avião e vira-se para a plateia e solta um beijo. O gaiato já viu a cena, grita antes dela se virar: “Meu beijo!”

         Ainda tem aqueles que soltam “cordões cheirosos”, levam caroços de milho e feijão para atirar na cabeça dos outros com uma borrachinha de dinheiro, e outras perturbações mais. Eu já dei boas risadas dentro de cinemas. Já namorei muito, perturbei muito, me divertir muito. Ah! Ia me esquecendo. Ainda tem o filme, né?

         Mas, um episódio ocorrido numa matinê de segunda-feira no cine Santanópolis, nunca me saiu da memória. Foi o seguinte: Era praxe nós, homens, levarmos um lenço no bolso, porque ele tem mil utilidades. Uma delas era justamente conter o jato de esperma, quando a namorada estava nos masturbando.

         Alguém, que eu acredito tinha sido desatento, que não tivesse lenço ou sofresse de ejaculação precoce, sei lá, foi o pivô da história. O certo é que, de repente, ouviu-se um grito no meio da sessão que fez acender todas as luzes (cruzes): “Que merda! Quem é que tá batendo punheta aqui?”

         Quem falava era um sujeito que tinha na parte posterior da cabeça e na palma de uma das mãos, uma coisa pegajosa.


NE: Publicada no Sempre Livre ( 2010)

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