* Caro data vermibus *
Carne dada aos vermes - Expressão latina
Copio Voltaire, livro de Fernando Savater: El jardin de las dudas.
“Desde a terra onde
o destino escolheu para o final de minha vida, sepulcro onde acomodarei meu
projeto de cadáver, como convém a qualquer defunto resignado, escuto uma voz
suave a ordenar-me: Levanta-te e anda.”
Tenho percorrido as
aleias do “jardim das dúvidas em recente visita, deparei-me com o pensar voltairiano,
ajustado sob medida à minha realidade.
Ao sentir-me onde
não estou saudade aflora, mas ao estar no jardim deixei a saudade de lado e
assumi a ordem, como se a mim houvesse sido dirigida.
Assim, parto ao
labor literário, tendo por pano de fundo as palavras de Voltaire, cruzadas com
meu destino.
Nosso espírito não
nos garante e, muito menos, apressa-nos a partir para uma sonhada vida eterna.
Em compensação, nosso projeto de cadáver tem destino certo, disso ninguém
duvida.
Somos futuros cadáveres
ambulantes e, em dado momento, nada mais seremos senão caro data vermibus.
Expressão fantasiosa, na qual tenta-se creditar a origem da palavra ‘cadáver’ à
fusão das três primeiras sílabas da frase latina.
Há, inclusive, um
poema do poeta pessimista, Antônio Pereira Nobre (1867-1900) - contraponto
lusitano de nosso Augusto dos Anjos –, no qual a referida etimologia foi
empregada como título: Ca(ro) da(ta) ver(mibus).
Tanto, todavia, não
tira da citada expressão uma verdade incontestável, ignorada por muitos: o
cadáver embutido em cada um vive à espreita de sua libertação.
Nós, pressurosos
aspirantes à vida eterna, tentamos elastecer – unguentos, poções, promessas e
orações – o tempo prisional do indesejável habitante íntimo o qual, contenda em
livrar-se de nós.
Aspira-se a vida
eterna, mas não se pretende libertar o cadáver. Um aparente contrassenso;
quando tal brado de libertação aturde nossos ouvidos, vocalizamos este
protesto, reclamamos estar o tempo transcorrendo muito veloz.
Assim, teimamos em
não reconhecer a proximidade da fatal libertação do suporte de nossa vida.
Suporte carnal de destino conhecido, caro data vermibus. Por via de
dúvidas, entretanto, inconformados, engendramos ser ele quem irá aos vermes,
nunca será o “eu”, pretenso, vaidoso e crente, como o que aqui está a costurar
palavras para entender-se.
Lamentavelmente, tal esforço tem (az)ares iguais a buscar velhos amores, melhor nem tentar.
Hugo A de Bittencourt Carvalho
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