A festa
Era uma festa assim, mas com a
pequena diferença de que todos eram hipocondríacos. Como, minha senhora? A
senhora não sabe o que é isso? Explico: Hipocondríaco, segundo está lá no
Aurélio, é aquela pessoa cujo estado mental é caracterizado por uma doentia e
infundada preocupação com a própria saúde.
Por isso que naquela festa, além
das providências citadas acima, também havia uma UTI móvel (equipada com
desfibrilador), médicos e enfermeiros. Também foi montado sob um toldo
climatizado, um ambulatório, com maca, tensiômetros, estetoscópio, seringas
descartáveis e medicamentosos mais diversos.
Para que o leitor possa entender
melhor o que é um hipocondríaco, lembro de uma crônica escrita por Fernando
Sabino, sobre o encontro de um hipocondríaco com um amigo, numa lanchonete. O
diálogo era mais ou menos assim:
- Olá, como vai?
- Mal.
-É, você está um pouco pálido.
-Bondade sua. Mas a verdade é que
ninguém me entende.
E ai o sujeito começa a desfiar
uma serie de sintomas de doenças que ele acha que tem, e acusa o seu médico de
estar em cumplicidade com sua família, pois se recusa a prescrever novos exames
e medicamentos que ele acha que precisa. – Estão todos contra mim. Querem que
eu morra!
Esbraveja, indignado.
E naquela festa os convidados
começavam a chegar. Chegou até um gay que cismou estar com HIV. Trazia na mão
uma cestinha daquelas de supermercado cheia de coquetéis de combate a Aids e, é
claro, muito AZT.
- Rapaz, há quanto tempo! Como
você está pálido!
- pois é, pra você ver. É essa
minha anemia.
- Nem me fale. Eu também estou
assim.
E as mulheres conversando:
- Amiga você já experimentou o
novo anti-histamínico do Squib?
- Não, queridinha! Minha onda
agora é medicina alternativa. Estou fazendo um tratamento com Acupuntura que é
maravilhoso! E o seu marido, o César, melhorou da azia?
- Que nada minha filha, até o
biscoito que ele come deixa o estômago em brasa. Eu já falei pra ele mudar de
médico. Dr. Augusto está muito velho, ultrapassado. Imagine que ele se recusou
a fazer a cirurgia para tirar a úlcera que César tem no estômago! Ele insiste
em dizer que César não tem nada, querendo saber mais do que nós.
- É, esses médicos são todos
iguais. Nem examinam a agente direito. Imagine que o meu médico, dr. Outran,
não quis me prescrever um novo check-up, só porque eu tinha feito um no mês
passado. Quem sabe o que eu tenho sou eu, ora! Quem sente os sintomas sou eu e
não ele.
E o cardápio? Nada de feijoada ou
maniçoba. Picanhas, cupins, alcatras ou costelinhas de porco estavam fora de
questão. Massa, não que engorda. E para beber nada de bebidas alcoólicas
destiladas. Cerveja só sem álcool, e assim mesmo só para quem não tem taxa de
ácido úrico elevada. Refrigerantes só sem açúcar. O negócio é carne branca (bovina
e suína nem sonhar). Franguinho grelhado, como pouco sal, por causa dos
hipertensos. E algumas iscas de peixe (de escama, que peixe de couro faz mal à
saúde).
E nas mesas o papo continuava.
Cada conviva que chegava tinha novidade pra contar, ou algum tipo de tratamento
ou medicamento novo pra mostrar. Estavam todos ali, falando das suas mazelas e
sequelas, trocando receitas como quem troca presentes, uma felicidade geral.
Mas, como em toda festa, que se
preza, tem sempre alguém que quer chamar a atenção de todos, aparecer para a
galera. E sendo assim, o Aderbal chegou fazendo sua entrada triunfal. Chegou de
maca, tomando soro na veia, com a mulher ao lado, devidamente uniformizada de
enfermeira.
- Apesar do estado dele, a gente
não podia perder esta festa. Quem sabe aqui ele se anima e melhora (explicou a
mulher).
O gay não se conteve.
Deu um gritinho histérico e bradou: “Aderbaaaalll! Você ar-ra-zou”!!!!
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