domingo, 3 de março de 2024

 


* Veredas*

“Prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”

Raul Seixas

 Escrever por prazer faz da escrita um fenômeno estético. Trata-se do exercício da arte da palavra. Como tal, não visa informar, ensinar, doutrinar, pregar, documentar. Se tanto ocorrer é algo apenas acidental. 

Pretende-se, escrevendo por escrever, é despertar o sentimento estético, um tipo especial de prazer nutrido por todos quantos se consideram não profissionais da leitura. Um ler e deixar-se ficar embevecido, concorde-se ou não, com as digressões do escritor. 

Hoje irei dar margem à expansão do imaginário, partindo de fatos reais como relatarei, tendo-os pura e simplesmente como combustível, ponto de partida, para daí os transfigurar e recriar a realidade, capacidade tivesse, eu, de traduzi-la em palavras. 

A transfiguração do real é característica específica de toda arte.

Iniciado o texto surge a verdade estética, diversa da verdade histórica. 

Criar ou recriar um mundo de verdades, não mensuráveis pelos padrões das verdades fatuais, deixa-se à imaginação dos leitores. 

Mas, como afirma Raul Seixas, sendo chato chegar a um objetivo num instante, dou tratos à bola para trazer à baila, a critério de quem me lê, velhas questões. Palavras ao vento a nos conduzirem, às vezes, por novas veredas. 

Ao enveredar em direção à adiantada velhice, sou dado ao dom da dúvida, dando ao abandono herdadas formulações e crendices. Assim, passo a passo, a meu modo, passo a entender a vida e seus meandros, nossa finitude, e satisfaço-me em crer ser ela única.

 Adianto, todavia, longe de mim a intenção de querer convencer terceiros quanto a tais conclusões meramente pessoais. Dou-me por satisfeito por haver abandonado aquela velha opinião formada sobre tudo. 

Assim, do catolicismo quase nada me restou. As práticas religiosas às quais ainda eventualmente compareço, as tenho como simples ritos de cunho social. Batismo, crisma, eucaristia, casamento, procissões, santos e andores são formas comportamentais para uns, manifestações de fé para outros. Tanto não significa negar-lhes, eu, seus méritos. Interpreto-as, porém, como regras cujo alvo é uniformizar comportamentos e, assim, tornar mais sociável a convivência grupal. 

O ser humano quando não devidamente preparado para os embates - os sustos do viver sossegado - e ante os refúgios e subterfúgios com os quais se depara, pode ser levado a lastimáveis desplantes censuráveis. Raros são os que conhecem – e respeitam - os limites do território onde se situam. 

Grande parte da humanidade, caminha na contramão dos ditos bons princípios. Sem pudor algum, atola o pé na jaca, na incontida ânsia de enriquecer. Juízes de suas próprias causas têm na tolerância, a diretriz de suas decisões. Adoram assenhorarem-se do coletivo, julgam a res pública lhes dar direito a se apropriarem do que a todos pertence. 

Apregoa-se, serem todos iguais perante a lei. Na prática, uma falácia. Há os mais iguais e os menos iguais. É quase impossível a prática de uma democracia plena, com a ausência de um Estado regulador, quando a distribuição da riqueza tende a tornar os ricos cada vez mais ricos e os pobres, sempre pobres, com certeza. A força da grana (que destrói coisas belas) e a velha opinião formada sobre tudo canalizam o poder, em sua maioria, às mãos dos representantes das classes dominantes. O povo se converte em massa de manobra, ao sabor dos desejos de dominação de uma ou outra força política. 

Raros são os governantes, ungidos pelos desígnios da sorte, alçados da base da pirâmide social aos píncaros do poder, a lembrar tempos, nos quais faltava-lhes pão à sua mesa. A fama e a fortuna costumam mudar as opiniões com velocidade igual à direção dos ventos. Os eleitos, não satisfeitos com as regalias garantidas, sempre estão a querer mais e mais. Legislam em causa própria, e sem vergonha alguma, convertem-se em casta majestosamente privilegiada. 

Daí, valendo-se de uma legislação eleitoral a assegurar-lhes reeleições, encastelam-se no poder e suas benesses. Têm prazer em declarar, estar a serviço do povo há vinte, trinta anos quando, de fato, deveriam estar envergonhados de jogarem à margem do mundo político, inúmeros jovens talentos promissores, incapazes de fazer-lhes frente num processo partidário de cartas marcadas e sem acesso à maior parte dos recursos partidários quando dos processos eleitorais. 

Claro, enquanto escritor, tenho meu mundo de verdades, supostamente verdades humanas, ponho-me, volta e meia a ruminar e misturar minha compreensão das coisas e o retrato da vida tal como ela seja. Mas não tenho pressa. Afinal, é chato chegar a um objetivo num instante. 

Sendo assim, não nos apoquentemos.

Lembremos, a mão dos anos é impiedosa.

         Curtamos, pois, o pouco-muito da vida restante antes, como Gregório de Matos versou, de nos convertermos em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

 Até mais ler!

Abraços de sempre.



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