sábado, 2 de março de 2024

 

                    * Itapema *

 Conheci Itapema, anos noventa do século passado: lugar a beira-mar no qual, parecia, o tempo haver estacionado. Aquele pequeno ponto, encravado no fundo da Bahia de Todos os Santos, mar lamacento, desfrutava apaziguadoras ausências humanas. 

Naquela época – trinta anos idos - Itapema a rigor, não era um lugar comum, e sim um paraíso desnudo de vaidades. 

Por não integrar o circuito das badaladas praias baianas, carrões, grifes, cardápios afrancesados, ar condicionado, comodidades, asfalto e quejandos, eram ausentes. Caminhava-se sobre o capim nativo. Casas simples, erguidas ao tempo de uma extinta usina de extração de óleo de dendê, compunham o cenário-presépio. 

A pele curtida dos nativos revelava sangue de raízes sertanejas que, no tempo do andar-se em mulas, fugira da seca das bandas nordestinas e lá chegara em busca de trabalho na salina ou na usina então existentes. 

As gerações seguintes encontraram, no mar, a sobrevivência.        

Som, em Itapema, só se fosse no alto-falante de um ou outro carro visitante.

Não mais de meia dúzia de bares-empórios formavam a rede de abastecimento local. 

Distando apenas uns 70 quilômetros de São Gonçalo dos Campos, costumávamos ir para lá, em sábados estivais. Sentava-me à mesa de madeira de um azul que já se foi, no ‘Bar do Renato’. 

“Que temos hoje, Renato?”

 A resposta era inevitável: “O de sempre”.

Tal “sempre”, era sempre o que desejava: frutos do mar. 

“‘Quais as novidades, Renato?” 

Ele, prontamente, disparava: “As mesmas!”.

Tais “mesmas”, são tudo o quanto já descrevi. 

Meu charuto fumegava.

Trouxe um para mim?” - indagava Renato. 

De imediato, oferecia-lhe um. Empunhava o charuto, qual relíquia.

Nada conhecia da ‘arte’ de fumar, mas desfrutava – e como – o ‘prazer’ de fazê-lo. Deixava-se comigo ficar, esquecia os demais clientes. Pouquíssimos. 

Em Itapema, podíamos dar-nos ao luxo de eleger um ponto de solidão.

Em compensação, não havia “scotch”; quando muito, cerveja. Ao almoço, uma mariscada ou uma apimentada moqueca. Copos, pratos e talheres com os quais, certamente, não estávamos habituados. Em contrapartida, indesejáveis ausências, propiciavam delícias esquecidas na cidade grande; na hora de voltar, camarões baratos e fresquíssimos. 

Nos presentes dias, Itapema, não é mais a mesma. Seus plácidos finais de semana, foram-se às calendas, tornaram-se postais do passado. Não há paciência bastante, para suportar os famigerados “paredões” que por lá se refugiam, a disputar estrondosos decibéis. Letras e músicas? Versões do pior mau gosto. 

Menos mal que, em minha memória afetiva, Itapema segue sendo um lugar de sonhos, de uma paz inigualável.   

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos

Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel,

vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

[email protected]

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