O Sistema Único de Saúde (SUS) foi
criado no Brasil com a redemocratização do país e a promulgação da
Constituição de 1988, tendo como uma de suas inspirações o sistema de
saúde pública britânico, o NHS (National Health Service). A forma como
cada sistema opera, porém, apresenta profundas diferenças.
Enquanto
no Brasil, os médicos de formação generalista como clínico geral e o
médico de família são pouco valorizados, no Reino Unido esses
profissionais, chamados de general practitioners (GP) são o eixo central
do atendimento.
Há 65,3 mil médicos registrados como GP
(incluindo os sistemas público e privado), o que representa praticamente
um quarto do total de médicos atuando no Reino Unido (267,5 mil). Do
total de GPs, 61% atuam no serviço público, onde quase toda a população
busca atendimento, inclusive pessoas com renda equivalente à classe
média alta brasileira.
Não existe um equivalente direto ao GP no
Brasil. Esse profissional está entre o que seria o médico de família e o
clínico geral que atua em unidades de pronto atendimento.
A BBC
Brasil mostrou nesta segunda-feira que existem apenas 4 mil médicos de
família no país e que essa formação é estigmatizada dentro da categoria
médica.
“É preciso valorizar a atenção
básica de saúde no Brasil. No sistema britânico, é o oposto: há uma
supervalorização do GP”, afirma o professor da USP Oswaldo Tanaka, que
já morou no Reino Unido e estudou o NHS.
Atendimento
No
sistema britânico, o paciente não marca atendimento com médicos
especializados de acordo com seu problema, por exemplo cardiologista,
endocrinologista, dermatologista, etc. Ele primeiro passa pelo GP, que
decide então se o paciente deve ou não ser encaminhado para um
especialista.
Mesmo no caso de a pessoa ter um seguro de saúde,
ela deve passar primeiro por um GP que atue no sistema privado, que
posteriormente encaminha o paciente para um especialista."Não é como no
Brasil, que você abre seu livrinho do plano de saúde, escolhe o médico
especialista e vai lá direto", explica a médica ginecologista Vânia
Martins, que trabalhou quinze anos no setor público no Brasil antes de
se mudar para Londres, onde atende em uma clínica privada e no NHS.
A
forma de remuneração dos médicos e gestão dos recursos também é muito
diferente da do SUS. Tanaka explica que o GP é como se fosse um
prestador de serviço ao NHS, mais do que um funcionário assalariado. Ele
é remunerado de acordo com os atendimentos que faz. Os residentes do
Reino Unido devem se registrar em um GP na região em que moram, mas têm a
opção de trocar de médico ou de clínica se assim desejarem, desde que
na mesma região. Dessa forma, é de interesse do GP ter mais pacientes,
pois assim ele receberá mais recursos.
Não há dados estatísticos
sobre qual o tempo médio necessário para marcar uma consulta com um GP.
Médicos e usuários ouvidos pela BBC Brasil disseram que é fácil
conseguir um horário em poucos dias ou na mesma data, mas as consultas
costumam ser breves, duram de dez a quinze minutos e, em geral, se
resumem a uma conversa.
Comparação
O
GP é quem vai encaminhar o paciente a um médico especialista ou para
fazer um exame ou tratamento, por exemplo, e os recursos que pagam por
esses serviços saem do orçamento público administrado por sua clínica,
explica Tanaka. Dessa forma, o GP tende a só fazer o encaminhamento se
tiver certeza de que é necessário. Por isso, muitas vezes as pessoas
deixam de marcar a consulta se o caso não é grave.
“Esse modelo
foi criado com as reformas implementadas pelo governo da Margaret
Thatcher nos anos 1980. O GP precisa ser produtivo e atender metas, por
isso as consultas são rápidas”, diz Tanaka.
Apesar das limitações,
profissionais brasileiros que trabalham no NHS falaram à BBC Brasil
sobre a importância desse modelo centrado no atendimento básico para
garantir acesso à saúde para toda a população.
“Se você comparar
os dois sistemas, ainda é melhor que o brasileiro. Aqui, você levantou
passando mal, consegue uma consulta de emergência de dez minutos”, diz
Vânia Martins.
Para ela, a pequena cobertura de saúde da família no Brasil acaba sobrecarregando as emergências.
“Se você tem um problema
pequeno, o que você vai fazer numa emergência? Quando você não tem um
sistema que absorve isso, essas bobeirinhas, digamos assim, que você
pode tratar passando uma prescrição, uma injeção e mandar para casa,
você sobrecarrega o sistema”.
“O que eu via no Brasil era gente
que ia fazer uma tomografia na emergência, mas não era emergência. É que
não conseguia fazer no outro lugar que deveria fazer do SUS”, afirma.
A
enfermeira Ana De Stefano, que já atuou no sistema público brasileiro e
hoje trabalha na maternidade do St. Peter's Hospital (Chertsey),
observa que, assim como os médicos de família, profissionais como ela
também têm um papel mais relevante no Reino Unido do que no Brasil.
“Aumentar a qualificação e a responsabilidade dos enfermeiros também diminuiria a pressão sobre os médicos no Brasil”, acredita.
No
Reino Unido, por exemplo, enfermeiros realizam o teste ginecológico
papanicolau e exames de ultrassom, procedimentos que costumam ser
executados por médicos no Brasil. Vânia Martins, que já trabalhou na
Secretaria Estadual de Saúde do Rio e chefiou o Programa de Saúde do
Adolescente do município de Belford Roxo (RJ), diz que procurou ampliar o
papel dos enfermeiros na sua gestão, mas que há resistência dos
médicos, que temem perder mercado.
A enfermeira Ana De Stefano
destaca ainda o papel da parteira. Após estudar a prática por três anos,
são elas que fazem os partos normais no Reino Unido, enquanto os
médicos realizam as cesarianas, procedimento raro no sistema britânico.
NHS x SUS
O
NHS emprega mais de 1,7 milhão de pessoas e quase metade é de
profissionais de saúde, sendo cerca de 40 mil GPs e 370 mil enfermeiros.
O sistema é aberto a toda a opulação residente no Reino Unido, que soma
63,2 milhões de pessoas.
De acordo com o Ministério da Saúde, o
SUS conta com mais de 2 milhões de profissionais, dos quais mais de 184
mil são enfermeiros e 440 mil são médicos de diversas especialidades.
Dentre eles, cerca de 113 mil são clínicos gerais. A população total do
Brasil é de 203,1 milhões de habitantes.
De
acordo com dados do Banco Mundial, o gasto público em saúde no Reino
Unido é bastante superior ao brasileiro. As tendências, porém, são
opostas. Enquanto os recursos destinados ao setor britânico têm recuado
em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto) nos últimos anos, no Brasil
eles têm crescido.
Segundo a instituição, o total destinado por
todas as esferas de governo à saúde passou de 3,8% do PIB brasileiro em
2009 para 4,3% em 2012, dado mais recente. No mesmo período, essa taxa
passou de 8,2% para 7,8% no Reino Unido.
A crescente demanda por
serviços devido ao envelhecimento da população e a redução dos gastos
por causa do aperto fiscal do governo têm se refletido na piora da
qualidade de alguns serviços na Grã-Bretanha.
Em abril deste ano,
por exemplo, a quantidade de pessoas esperando por mais de 18 semanas
por uma operação – prazo limite previsto no NHS – atingiu 3 milhões,
maior número em seis anos.
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