Regulação, democratização ou
censura à mídia? Os próprios termos usados para se referir à proposta de
modificar as normas que regulamentam o setor de comunicação no Brasil
já deixam claro o tamanho da polêmica que envolve o tema.
Muito
falada, mas pouco discutida, a regulação da mídia deve voltar a ganhar
força a partir dos próximos meses, após o anúncio do PT de que o governo
fará uma consulta pública para discutir o tema. Veja a seguir os principais pontos da discussão segundo a BBC.
Por que o tema está sendo debatido agora?
A
regulação da mídia é uma bandeira histórica do PT. Durante a campanha à
Presidência, o partido pressionou para que a presidente Dilma Rousseff
encampasse a discussão em um eventual segundo mandato.
Após sua
reeleição, a petista deu algumas declarações defendendo a regulação
econômica da mídia. Ela negou repetidamente a intenção de regular
conteúdo.
Em
entrevista a jornais brasileiros no mês passado, ela disse que
"Regulação econômica diz respeito a processos de monopólio e
oligopólio." A presidente deve iniciar uma consulta pública sobre o tema
no segundo semestre do ano que vem.
O enviado especial da ONU
para liberdade de expressão, David Kaye, destacou, em entrevista à BBC
Brasil, a necessidade de evitar monopólios na mídia - com mais
competição, segundo ele, é maior a possibilidade de repórteres
investigarem histórias que podem não ser favoráveis ao Estado.
"Só é preciso ter mais cuidado para que esta lei não dê ao governo uma forma de controlar o conteúdo", afirma.
A mídia precisa ser regulada?
Os grupos que defendem a regulação da mídia dizem que o projeto aumentaria a democratização do setor.
O
FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), entidade que
reúne diversos grupos que defendem mudanças na regulação, afirma, por
exemplo, que cinco grandes emissoras de TV (Globo, SBT, Record, Band e
Rede TV!) dominam o mercado brasileiro.
A Abert (Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), diz, no entanto, que há
no país 521 emissoras de TV - a conta inclui TVs regionais que
retransmitem, em grande parte, conteúdo das grandes emissoras.
"A
democracia se aprofunda em ambientes onde há mais diálogo, onde a
diversidade de ideias, as diferenças regionais, têm espaço equilibrado
na mídia em geral. O que nós queremos, em resumo, é mais democracia. E o
caminho é a criação de um marco regulatório moderno", disse à BBC
Brasil o presidente do PT, Rui Falcão.
Defensores da regulação da
mídia destacam que alguns artigos da Constituição que falam do setor não
foram regulamentados pelo Congresso.
Eles proíbem monopólios e
oligopólios, estabelecem que a programação deve atender a critérios
regionais e determinam regras para publicidade.
O presidente da Abert, Daniel Slaviero, afirma que, apesar da demora para regulamentação destes artigos, a mídia já é regulada.
"Quando
fala-se em regulação parece que a mídia não é regulada. Isso é um erro,
porque temos mais de 650 normas -portarias, decretos ou leis- que
regulamentam o setor de comunicação social, não só rádio e TV como
impresso."
Quem seria atingido pela regulação?
No
Brasil, emissoras de rádios e TV são concessões públicas - é como se o
governo "emprestasse" às empresas o espaço para transmissão, que é um
bem público. Por isso, assim como outros setores em que há concessões,
são passíveis de regulação.
Jornais, revistas e sites noticiosos não seriam atingidos por esta discussão.
Durante a campanha eleitoral, o PT aumentou o tom de suas críticas à imprensa, principalmente à revista Veja.
O
presidente do partido diz que, nesta área, a sigla defende o projeto de
lei que dá ao eventual ofendido o "direito de divulgação de resposta
gratuita e proporcional à matéria ofensiva, com o mesmo destaque,
publicidade, periodicidade e dimensão."
O governo já apresentou o projeto para regulação?
Há,
provavelmente, mais dúvidas do que certezas sobre como seria a
regulação da mídia no Brasil. Isso ocorre porque ainda não há um projeto
definido.
A presidente Dilma afirma que o debate terá que ser
feito com a sociedade. Até agora, ela já afirmou que o foco seria a
proibição de monopólios e oligopólios, mas não especificou os critérios.
A
posição da presidente contrasta, em parte, com a de seu partido. O PT
tem posições mais à esquerda e apoia os movimentos sociais que lutam
pela democratização da mídia.
"Não temos como ter posição firmada
sobre isso enquanto não conhecermos o projeto concreto. Mas, de antemão,
qualquer coisa que interfira no conteúdo tem repulsa e rechaço não só
por parte dos veículos e profissionais como da sociedade como um todo,
que considera liberdade de imprensa um dos pilares da democracia", diz o
presidente da Abert.
Então qual o projeto que existe?
O
FNDC formulou um projeto de lei de iniciativa popular e está, há cerca
de um ano, colhendo assinaturas para que a proposta chegue ao Congresso.
São necessárias 1,3 milhão de assinaturas - o mecanismo é semelhante ao
que criou a Lei da Ficha Limpa.
Entre os principais pontos da proposta estão:
1.
Impedir a formação de monopólio e a propriedade cruzada dos meios de
comunicação (um mesmo grupo não poderá, por exemplo, controlar
diretamente mais do que cinco emissoras, e não receberá outorga se já
explorar outro serviço de comunicação eletrônica no mesmo local, se for
empresa jornalística ou publicar jornal diário)
2. Veto à propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos
3. Proibição do aluguel de espaços da grade de programação (para grupos religiosos ou venda de produtos, por exemplo)
4. Criação do Conselho Nacional de Comunicação e do Fundo Nacional de Comunicação Pública
O presidente da Abert classifica o projeto como atrasado, porque ele não tem regras, por exemplo, para a internet.
Slaviero
afirma também que é um erro confundir rede de programação com
propriedades - segundo eles, diferentes emissoras não pertencem ao
mesmos donos, mas transmitem em parte conteúdos semelhantes para
apresentar novelas e conteúdos nacionais.
Ele diz que a mídia já é plural. Segundo ele, por exemplo, São Paulo tem 21 canais abertos - "só fica atrás de Nova York".
O representante das emissoras também classifica como "impeto autoritário" a criação de conselhos de comunicação.
Esta proposta inclui regulação de conteúdo?
O projeto aponta diretrizes para a programação de emissoras, sem fazer referência a conteúdo.
A
proposta determina, por exemplo, que emissoras afiliadas a uma rede de
televisão deverão dedicar pelo menos 30% da grade com produção regional.
Já as nacionais precisam destinar 70% da programação a conteúdo
nacional, e pelo menos duas horas por dia a jornalismo.
Também há
regras relacionadas a crianças e adolescentes, como a proibição de
publicidade dirigida a crianças com menos de 12 anos.
Propostas
semelhantes a esta provocaram polêmica em 2010, ao serem apresentadas
pelo então ministro da Comunicação, Franklin Martins. O projeto, que
previa a regulação de conteúdo, foi engavetado pela presidente Dilma.
Mas
ainda hoje a proposta de "controle social da mídia" é apontada por
críticos como um exemplo de que o PT teria a intenção de censurar a
mídia.
Regular a mídia significa restringir a liberdade de imprensa?
O
presidente da Abert, Daniel Slaviero, diz que ainda não é possível
discutir o significado da regulação econômica, porque o governo não
apresentou a proposta. Mas ele é contrário à regulação de conteúdo
prevista, por exemplo, no projeto de lei de iniciativa popular.
"Quando
se fala em regulação da mídia no sentido de acompanhar, fiscalizar, o
conteúdo das emissoras, controle social da mídia, é óbvio que isso tem
um viés de interferência no conteúdo, e conteúdo não pode sofrer
intervenção. A mídia pode ser responzabilizada pelos eventuais excessos:
tem Código Civil, Penal, etc. Mas acho que qualquer iniciativa que,
mesmo de forma indireta, interfira no funcionamento é uma interferência
indevida."
Ele usa como exemplo a determinação de um percentual
mínimo de tempo dedicado à programação infantil, por exemplo. "Depois
determinam para público infanto-juvenil, para jovens-adultos...", o que
retiraria, assim, a liberdade da emissora de determinar sua própria
programação.
O presidente do PT, Rui Falcão, afirma que o partido nunca defendeu e não defende a censura.
"Quando
a ideia de um conselho - mecanismo usado inclusive em vários países
desenvolvidos - foi apresentada pelo governo, ela foi imediatamente
demonizada pela mídia monopolizada e sequer foi debatida. Minha posição é
de que o tema precisa ser discutido democraticamente, porque o Brasil
não pode continuar refém de grupos de interesses." (BBCBrasil)
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