Vídeos que pretendem gerar uma
sensação de formigamento em quem está assistindo, conhecidos como ASMR
ou "orgasmo mental", silenciosamente se tornaram um fenômeno da
internet.
Algumas pessoas, ainda crianças, experimentam uma
sensação física agradável no couro cabeludo quando têm um interesse
especial ou ficam fascinados por algo, ou quando estão sendo tocados ou
acariciados de determinadas maneiras.
A sensação é compartilhada
por muitas pessoas e têm um nome - ASMR. Além disso, há milhares de
vídeos dedicados a provocar essa sensação.
Uma pesquisa pelas
iniciais em buscas do Google resultam em 1,5 milhão de resultados. A
maioria mostra o trabalho de "artistas de ASMR", fazendo vídeos em seus
quartos, jardins e cozinhas. E alguns deles são incrivelmente populares.
À
primeira vista, é difícil perceber o motivo. Por que alguém assistiria a
18 minutos de uma mulher demonstrando formas de dobrar toalhas e
guardanapos? No entanto, em dois anos, este vídeo teve 770 mil
visualizações.
Há vídeos de ASMR que mostram mãos de mulheres com
unhas feitas batucando em uma superfície de plástico, ou de alguém
tocando embalagens de plástico, pessoas recebendo massagens, ou
sussurrando para as câmeras. Há pessoas que fingem ser médicos fazendo um
exame do nervo do crânio, outras fingem cortar cabelos, fazer uma
entrevista de emprego ou ser recepcionista de hotel no check-in (este
vídeo dura 41 minutos e teve 460 mil vizualizações).
O termo de
pesquisa ASMR também traz vídeos de séries de televisão americanas dos
anos 1980 em que o artista Bob Ross ensina ao espectador como pintar,
correndo o pincel sobre a tela enquanto explica calmamente o que está
fazendo, com sua voz tranquila e aveludada.
O que todos esses
vídeos têm em comum é que assisti-los desencadeia - em algumas pessoas,
pelo menos - uma sensação especial em seu couro cabeludo, melhor
descrito como um zumbido ou formigamento. É uma sensação relaxante e
extremamente agradável.
Sussurros gentis
As
iniciais em inglês significam Resposta Meridional Sensorial Autônoma.
Soa como um termo científico, embora não haja nenhuma ciência por trás
disso e não esteja claro quem inventou a denominação. Parece com os
arrepios ou o frio na barriga que algumas pessoas sentem ao ouvir certos
tipos de música, mas as causas e a sensação são diferentes.
A
decana dos videomakers desse tipo de trabalho é, sem dúvida, uma mulher
loira com um sotaque do leste europeu que se identifica como Maria
GentleWhispering.
Seu
vídeo "Oh such a good 3D-sound ASMR video", que dura 16 minutos e
apresenta vários efeitos sonoros diferentes, concebidos para desencadear
a resposta, é o mais popular na rede, com 7,6 milhões de visualizações
em pouco mais de dois anos, apesar de sua baixa qualidade de som.
Não está claro onde ela mora, embora seja provável que seja nos EUA, onde há uma subcultura florescente de ASMR.
No Reino Unido, outra estrela do ASMR, Emma, que se autodenomina WhispersRed ASMR no YouTube, tem mais de 40 mil assinantes.
Ela vive no entorno de Londres,
onde faz vídeos em uma pequena casinha no final de seu jardim. Neles,
ela fala para a câmera devagar e hipnoticamente, com uma voz muito
suave, enquanto faz sons suaves com utensílios que incluem até livros de
velcro, ou fingindo limpar os ouvidos do espectador.
A qualidade
do som de seu vídeo é muito melhor do que a de Maria GentleWhispering,
especialmente se você ouvir com fones de ouvido. Emma usa microfones
binaurais, que gravam da perspectiva do ouvido de uma pessoa, e dão ao
ouvinte uma experiência especialmente envolvente.
Ela sentiu pela
primeira vez a sensação (que ela chama de "enrugamento na cabeça")
quando era criança, e lista as situações: "Um teste de visão, um corte
de cabelo ... na escola quando a professora lia uma história ou escrevia
no quadro negro... quando uma das outras crianças lia uma história...
fazendo nosso planejamento, ficar ao lado da professora quando ela
estava olhando meu trabalho ... crianças brincando com o meu cabelo."
"Nós
sentávamos em círculo, brincávamos com o cabelo do outro e fazíamos
cosquinha nas costas uns dos outros - todos aquelas coisas boas coisas
que costumamos fazer quandos somos crianças desencadeavam minha ASMR."
Ela
começou a assistir a vídeos quando estava tendo problemas para dormir e
procurava algo no YouTube para ajudá-la a se acalmar. Descobriu o que
chama de "comunidade ASMR", entrou em um grupo online chamado ASMR Reino
Unido e começou a fazer vídeos de si mesma para que os outros membros
do grupo soubessem quem ela era.
Seu público-alvo são adultos, mas
ela recentemente começou a fazer vídeos especificamente destinados às
crianças, em resposta a pedidos dos telespectadores. Seus vídeos, como
os de muitos outros profissionais, veiculam publicidade que gera uma
renda modesta.
Laura Stone também começou a
assistir vídeos quando ela estava tendo problemas para dormir. Ela tinha
pesadelos e ataques de pânico após uma morte na família. Para ela,
assistir vídeos também gerou interesse em fazê-los. "Eu queria ajudar as
pessoas como elas me ajudaram", diz ela.
Elas faz seus vídeos -
às vezes, três por dia- em sua casa em Essex. A sala da frente está
cheio de adereços que ela planeja usar - uma boneca com cabelo comprido,
uma peruca loira, algumas joias ruidosas, um coçador de costas e uma
folha de papel de embrulho. A maioria de seus vídeos envolvem
"role-plays", com ela e seu namorado engajados em um 'faz de conta'.
O
feedback, diz ela, tem sido muito positivo. "As pessoas dizem que eu as
ajudo a dormir. Pessoas solitárias, que não têm muitos amigos ou não
saem, sentem que eu sou sua amiga."
E ela ainda acha útil assistir
a vídeos de outras pessoas: "O sono é 100% melhor quando eu assisto a
vídeos; se eu não assistir a um vídeo não durmo bem."
É um vício
então? Ela admite esta possibilidade. "Sou um pouco viciada, mas é um
bom vício, um vício saudável, há muitos piores. Definitivamente me
acalma. Se estou sofrendo um ataque de pânico, sei que em cinco minutos
assistindo a um vídeo todos os sintomas de ansiedade desaparecem e em 10
minutos estou mais calma." E assistir a vídeos, diz ela, é preferível a
usar medicação.
O mecanismo
Isso preocupa Frances McGlone, professor de neurociência da Universidade John Moores, de Liverpool.
Ele
diz que não é possível explicar o mecanismo que produz a reação física
que dá origem aos estímulos porque ninguém tem pesquisado a questão. "Em
uma olhada rápida nos buscadores mais respeitados para pesquisas
científicas publicadas, eu não consegui encontrar nada que explicasse,
com uma base neurobiológica, por que essas experiências sensoriais são
provocadas pela observação desses vídeos ASMR", diz.
Mas
ele é profundamente cético em relação a seu uso como uma espécie de
terapia alternativa caseira: "O que me preocupa é ter indivíduos
suscetíveis que querem acreditar nesse tipo de coisa, porque eles
realmente têm problemas e precisam de algum tipo de ajuda psicológica -
que é onde eu fico um pouco irritado, porque as pessoas podem se
submeter a técnicas que não oferecem qualquer benefício a longo prazo
para uma condição subjacente."
Ele também aponta que a maioria
destes vídeos são apresentados por mulheres atraentes, o que significa
que pode haver um elemento erótico em seu apelo. E, de fato, alguns têm
tentado promover o termo "braingasm" - mistura de brain, cérebro em inglês, com orgasmo - como um nome alternativo para ASMR.
Muitos dizem, no entanto, que a sensação não se parece com a do sexo. Por enquanto, o ASMR segue sendo um mistério. (BBCBrasil)
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