segunda-feira, 14 de junho de 2021

Crônica de segunda

Mentira

O ato de mentir não é exatamente uma emoção, mas uma necessidade, embora dúbia. Etimologicamente a mentira significa engano, impostura, fraude, falsidade. A necessidade de mentir nos assoma ainda na infância. Mentimos para ocultar dos nossos pais algum delito infantil, por medo de sermos castigados. Pais atentos, presentes na vida dos seus filhos, sabem quando eles estão mentindo. Basta um olhar, uma entonação diferente na voz, um andar furtivo, qualquer coisa que mude o seu comportamento normal. Quando eu era criança, minha mãe sabia se eu estava mentindo só pelo olhar. Lembro que uma vez, um irmão meu, já adulto, foi passar o carnaval em outra cidade. Ele chegou em casa e foi direto falar com a mãe. Ela o abraçou, abençoou e, sem que ele dissesse nada, perguntou: “O que foi que aconteceu, meu filho”? Ele tentou desconversar, mas não teve jeito senão falar a verdade. O hotel onde ele estava pegou fogo, ele quase morre, e perdeu seus pertences no incêndio. Ele não queria mentir, mas apenas omitir o fato ocorrido, para não deixa-la preocupada, afinal, ele estava em casa são e salvo, apenas com alguns prejuízos materiais, mas ela percebeu que algo estava errado na hora em que ele entrou em casa.

Crianças mentem para não serem castigadas. O melhor caminho para os pais é ficarem atentos, perceber se algo vai errado e saber tirar a verdade dos “pestinhas”. Nesses casos, a primeira coisa a fazer e explicar que o que ele fez foi errado, repreendê-lo com palavras, fazê-lo reparar o erro e pedir desculpas, se necessário for, e em caso de reincidência castiga-lo, tirando-lhe e proibindo de fazer o que eles mais gostam. Se necessário for, umas palmadinhas terapêuticas fazem um bem danado. Pé de galinha não mata pinto e esse negócio de que a criança fica traumatizada é idéia de psicopedagogo de araque. Fui castigado, tomei bolo da professora na escola, e nem por isso sou traumatizado ou revoltado. E como eu, conheço muita gente que apanhou quando era criança porque desobedecia e mentia para os pais. A conversa é o melhor caminho porque estabelece uma relação de confiança e amizade entre pais e filhos. Mas quando não resolve, é hora do castigo, do cinturão e da palmatória. Aliás, está na Bíblia: “Quem poupa a vara ao seu filho não sabe o mal que lhe faz”.

Já os adultos mentem por vergonha ou para lesar alguém. As pessoas que não aprenderam a se aceitar como são, vivem de um modo geral uma vida fantasiosa, tentando copiar pessoas bem-sucedidas em áreas que elas não teriam capacidade ou não tiveram oportunidade de se dar bem. Há um problema que começa na hora de escolher uma profissão. Em geral, “Papai e mamãe” querem que o pimpolho seja médico, engenheiro ou advogado. Muitas vezes os pirralhos até batem uma bola certinha, tocam uma guitarra, pintam uns quadros legais, mas, para “papai e mamãe”, isso é coisa de vagabundo. Atualmente este quadro está mudando, porque futebol e música, ainda que de baixa qualidade, está dando muito dinheiro. E também há muitas novas profissões boas surgindo. Mas, vamos à mentira.  Formando-se profissionalmente pela vontade dos pais, sem ter a menor vocação, geralmente os jovens ficam frustrados e infelizes, porque mentiram para si mesmos, negaram seus instintos. Outros que não tiveram capacidade ou oportunidade de se formar, vivem desesperadamente tentando conquistar notoriedade, dinheiro e poder, sem ter capacidade e sem medir consequências para atingir seus objetivos. Surgem então os canalhas, mentirosos, enganadores, fraudadores de toda espécie a lesar seus semelhantes.

Tem mentira pra tudo. Mentem quando vão se casar, alegando ser quem não são, para dar golpe no conjugue; mentem para alcançar algum cargo bem remunerado; mentem para tomar dinheiro emprestado, sabendo que não vão pagar; falsificam documentos para se passar por outras pessoas ou para apresentarem-se como profissionais que não são; mentem para esconder falhas de caráter; Mentem para esconder que são pobres. Enfim, há mentirosos de todos os naipes. Mas a mentira tem pernas curtas, e depressa se pega um mentiroso. Há um caso, porém, em que considero que uma mentira possa ser até útil. É quando mentimos ou omitimos a verdade de alguém, para evitar sofrimentos, muitas vezes, desnecessários. Cito um caso: Minha mãe estava em Salvador, acompanhando meu pai que estava à beira da morte num hospital. Aqui em Feira de Santana, a empregada que acompanhou seus pais e desde que ela casou foi sua companheira fiel, que inclusive, ajudou a criar todos nós, sofreu um AVC e morreu. Nós cuidamos de tudo sem que minha mãe soubesse o que se passara. Quando ela retornasse para casa, iria saber da verdade, mas, naquele momento, o melhor a fazer era lhe ocultar o fato.

De minha parte, “bicho do mato” que sou, sempre digo aos meus amigos e familiares que se for para sorrir com mentiras, prefiro chorar com a verdade.

 

NE: Publicada no livro Soltando as Amarras (2015)

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