A Rezadeira
Peguei uma gripe mais arrastada que separação judicial. No consultório cada cliente me ensina um chá, ou mistura de ervas capaz de eliminar a tosse de um rinoceronte - embora não me considere tão gordo. Uma delas, disse-me que eu precisava era ser rezado - no que concordei - por acreditar que meu caso é mesmo uma tarefa para santo com vaga na agenda, ou que aceite lobby de rezadeira.
Falando em rezas lembrei-me da infância. Meu pai não acreditava em nada que não tivesse rótulo explicativo, mas minha mãe - alma santa - acreditava em preces e crenças, de vassoura atrás da porta até carnet do Baú da Felicidade.
Nesta época meu pai havia comprado um cavalo branco, mangalarga, reprodutor. Ele tinha paixão pelo animal. Um domingo apareci com febre, macambúzio, e minha mãe avaliou ser “vento” ou “olhado”. Não encontrando a rezadeira oficial da família apelou a dona Maria do Frango. Quando ela chegou, arrancou umas folhas de vassourinha e quarana para iniciar seu ofício.
Meu pai, na rede, olhava com certa indiferença. Dona Maria começou a benzedura: “Se com dois te botaram/ com três eu te tiro/Com os poderes de Deus e da Virgem Maria/ na sorte, na alegria, olho mau, olho ruim/olhado, quebrante, excomugante/ vai-te pras ondas do mar sem fim/ onde não canta galo, nem galinha/nem de noite, nem de dia, nem no pino do meio dia. Com que eu te tiro olhado?/ Com um Padre Nosso e uma Ave Maria/ Sai desse corpo e dessa alma encanto e vai-te pro cu do cavalo branco!
Quando ela pronunciou o destino do encanto foi como se um raio fulminasse a rede, fazendo meu pai dar um salto triplo carpado e já ir gritando: “a senhora me perdoe, mas no meu cavalo a senhora não vai enfiar nada não!” Suma da minha vista”.
A situação ficou mais tensa que partilha de herança, pois a mulher teve que fugir sob a voz trovejante de meu pai e a ira de minha mãe, que via o filho correndo risco por conta de mísero animal.
Para evitar novos incidentes meu pai me obrigou a tomar o fortificante óleo de fígado de bacalhau. Já minha mãe apelou para Rubraton, um xarope que tinha gostinho de uísque, o que me leva, hoje, a tomar uísque buscando o gostinho do xarope.
Agora que essa gripe me derrubou e essa melancolia de roda de carro de boi não deixa minha alma, fico pensando se não foi tudo culpa daquela reza interrompida e se o animal não teve mais sorte do que eu. Noutras vezes, vendo essa terra devastada moralmente fico pensando se não tem alguma rezadeira no Planalto usando o povo brasileiro no lugar do cavalo branco.
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