segunda-feira, 5 de julho de 2021

Crônica de segunda

 

Zé Trindade

Figuraço, o Zé Trindade. Pra ele não tempo ruim. Sempre vê o lado  bom das coisas. Na juventude, foi seminarista, mas, não resistiu aos apelos do pecado e caiu no mundo. Músico, bom de fole, de gole, de farra e forró. A única queixa que tem é de dores na coluna. É porque tendo que tocar em pé, toda hora tem que se abaixar para pegar o copo.

Quando, por questões profissionais, foi morar em Vitória da Conquista, se sentiu só, pois a sua família ainda não poderia o acompanhar. Mas, após a primeira noite mal dormida, quando abriu a porta para olhar os arredores do bairro, descobriu que no imóvel vizinho funcionava um alambique. “Já não me senti tão só” – diz para os amigos.

Zé Trindade adora animais. Uma vez ele saiu de Salvador e foi para Feira de Santana para visitar o cão de um amigo que estava adoentado. Aliás, os dois eram ótimos parceiros. Quando na fazenda do amigo, todas as manhãs os dois, ele e o cão, saiam para passear. Curiosos, os filhos do amigo o seguiram para ver aonde ele ia todas as manhãs. Descobriram que os dois iam até um lajedão, no meio da caatinga, para satisfazer suas necessidades fisiológicas. A partir de então, passaram a ser chamados de “colegas de cagar”.

Cismado, Zé não deixa passar oportunidade para manifestar esse lado seu. Se alguém pergunta a sua idade, ele responde ríspido: “Não entendo de aritmética”! Certa vez, montou no seu burro de estimação e foi até a cidade fazer a feira. Mas, esqueceu o dinheiro. Quando chegou ao destino e deu pela falta do dinheiro, voltou a pé para buscar. Quando lhe perguntaram por que fora à pé, disse: “Quem esqueceu o dinheiro fui eu, não o burro”.

Quando era seminarista, ajudava o padre que fazia um quadro de meditação matinal na emissora de rádio de propriedade da igreja católica. Zé era o operador e tinha de ficar atento aos sinais do padre, do outro lado do vidro, no estúdio da rádio. No primeiro dia, quando o padre fez sinal com a mão para ele abaixar o volume da música de fundo, ele se ajoelhou de mãos postas.

Como ele é meio puxado para cor de jabuticaba, o padre confiou a ele e mais uns escurinhos como ele, a condução do andor de São Benedito, no dia da procissão da padroeira. Após a procissão, eles estavam levando  o andor de volta à igreja que pertencia, quando passaram por um bar, onde pararam para descansar e tomar uma cerveja. Só que no bar tinhas umas moças, e também alguns quartos no andar de cima. Eles encheram a cara e dormiram por lá mesmo. Pela manhã, quando o gerente do bar abriu a porta e deu de cara com São Benedito em cima de uma mesa, exclamou: “Virgem, Nossa Senhora! Não tem mais nada sagrado nesse mundo! Até tu negão”?

Gozador, ele jogava dominó com um amigo e estava ganhando todas. Como o jogo era apostado, o amigo já sem dinheiro disse: “Eu só tenho agora esse bilhete de loteria, quer apostar”? Ele topou e ganhou. Não satisfeito, dias depois encontrou o colega, e, só pra sacanear, disse que o bilhete fora premiado, e que ele agora estava rico.

Comigo ele também aprontou. Nós viajamos juntos, com outros amigos, e passamos três dias numa cidade. Foram três dias de farra pesada. No terceiro dia, à noite, a gente estava num bar, bebendo e tocando forró, fazendo a “saideira”. Eu cansei e comecei a sentir sono. Não resisti e fui para o carro dormir.  Acordei com as pancadas de Zé Trindade no vidro gritando: Você é frê a fra, cê cedilha co. Fracó!

Ele gostava de ir com os amigos para as bandas de uma pedreira, numa zona afastada da cidade. Ali eles se escondiam entre as pedras para beber, comer tira-gosto e ouvir música. Mas, um certo dia, eles lá se encontravam quando apareceu o chefe do canteiro fazendo inspeção, pois iriam detonar algumas cargas de dinamite. Quando o chefe topou com eles, perguntou: “Que diabos vocês estão fazendo aqui?” Zé Trindade, na maior calma, respondeu: Estamos curtindo a natureza. Aqui dá até pra ouvir as árvores respirando.

Quando foi informado de que as cargas estavam para explodir, saiu com os amigos correndo. Chegou em casa bêbado, e todo estropiado. A mulher, com ar severo, o repreendeu: “Você não muda nunca, não é?” Zé, chateado, respondeu:

- Ora, mulher! E eu lá sou cigano pra ficar me mudando?

 

NE: Publicada no livro Sempre Livre (2010)

 

 

 

 

 

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