*Outran Borges
Gabriel
Garcia Marques escreveu a sua “Crônica de uma morte anunciada”, onde o autor
coloca o personagem central, Santiago Nasar, sob ameaça de ser assassinado.
Toda a cidade sabia que tal fato viria a acontecer, e ficam dúvidas se o
próprio personagem implicitamente não o sabia, e nada foi feito para que não
ocorresse. Tomamos, por empréstimo, o título do escritor colombiano, para
criarmos uma analogia com o que vem acontecendo no Norte e Nordeste do País, em
relação à seca que vem assolando essas regiões, em nossa opinião, talvez a
maior dos últimos cem anos.
No
ano de 1974, quando a defesa e consequente preocupação pelo meio ambiente ainda
não era “moda”, e também não havia ONGs, para se beneficiarem financeiramente
dessa proposta, criamos em Feira de Santana a Associação de Livre Pesquisa
Ecológica (ALPE). Havíamos feito, como matéria complementar no curso de
medicina da UFBa, um curso de ecologia médica. Já anteriormente preocupado e
interessado pelo tema, juntamos um grupo também de interessados e fundamos a
Associação, sem nenhuma preocupação burocrática, ata de fundação e outros
trâmites, já que o nosso objetivo era de uma pesquisa independente, além de
constatações sobre a degradação ambiental e, se possível, discutir eventuais
soluções.
A
primeira incursão do grupo foi realizar uma viagem de bicicleta, margeando o
rio Paraguaçu, desde a ponte localizada na BR-116 Sul, até os municípios de
Itaetê e Iramaia, na Chapada Diamantina. Nessa época, ao tempo em que fazíamos
pequenas palestras de conscientização nas comunidades ribeirinhas, já pudemos
constatar o assoreamento do rio, por conta do desenfreado desmatamento,
principalmente para a produção de “dormentes”, que, para quem não conhece, são
troncos de madeira lavrados, que dão sustentação aos trilhos das estradas de
ferro.
Convém
salientar que uma ferrovia margeia, nesse trecho, o rio Paraguaçu.
Sabemos que a manutenção das árvores, principalmente as de grande porte, são
essenciais ao equilíbrio ambiental, sobretudo para proporcionar a troca de
gases (oxigênio e gás carbônico) e principalmente para assegurar um bom índice
pluviométrico, e isso pode ser constatado na região amazônica, onde ainda chove
regularmente.
Atualmente,
continua o desmatamento de forma equivocada, quer seja por falta de
conhecimento de fazendeiros, para a criação de pastagens, de agricultores,
principalmente para a produção de grãos (soja, milho, feijão, algodão), de
movimentos sociais, como o MST, para a obtenção e venda de estacas, uma vez que
quase não existe produção agrícola nos assentamentos, talvez em decorrência da
própria estiagem; e o pior: os organismos de defesa ambiental (Ibama) ou mesmo
as organizações não governamentais (Greenpeace, etc.) parecem não se
importarem muito com esses atos. Por isso tudo, acreditamos, a seca é essa
“morte anunciada” que todo mundo sabe, mas ninguém toma nenhuma providência
efetiva para evitá-la.
No
ano de 1982, nós do ALPE navegamos o rio São Francisco, de Juazeiro, na Bahia,
até Pirapora, em Minas Gerais, onde fizemos algumas constatações sobre o “Velho
Chico” (outra possível “morte anunciada”). Mas isso é outra história.
*Médico, compositor e
poeta, com diversos livros publicados e músicas gravadas por vários cantores.
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