Mais da metade das famílias brasileiras consome algum tipo de suplemento alimentar. Mas, na grande maioria dos casos, esses comprimidos não trazem nenhum benefício à saúde. Podem até fazer mal – e aumentar o risco de doenças graves.
Em dezembro de 1912, Douglas Mawson e Xavier Mertz
perderam de vista o terceiro membro da expedição que faziam à Antártida.
Puxado por um trenó de huskies siberianos, Belgrave Ninnis carregava os
mantimentos do grupo quando sumiu ao cair numa fenda no solo. Mawson e
Mertz se viram numa situação terrível.
Eles estavam a 160 km da base, praticamente sem alimentos, e tiveram
que tomar uma decisão duríssima: sacrificar os cachorros e comer a carne
deles para sobreviver. Fizeram isso. Mas, como se afetados por uma
maldição, os dois começaram a apresentar sintomas estranhos. Primeiro
vieram as dores de estômago, febre, alucinações. Depois os cabelos
caíram, a pele rachou, os pés ficaram cheios de bolhas. Mawson
sobreviveu e conseguiu, muito debilitado, voltar ao acampamento. Mertz
não resistiu, e morreu. Os dois haviam sido envenenados por megadoses de
vitamina A – presente nos fígados dos cachorros que haviam comido.
Em agosto de 2015, Becky Jackson deu à luz um casal de
gêmeos em Omaha, nos EUA. Um menino, Joe, e uma menina, Elizabeth.
Quando os dois tinham seis meses, a mãe percebeu que Liz não estava
ganhando peso. Becky tinha pouco leite, e só amamentava Joe no peito.
Ela alimentava a menininha com uma mistura de leite materno, leite de
coco, leite de cabra e suplementos vitamínicos. Preocupada, Becky levou a
filha ao pediatra. O médico constatou que a menina estava à beira da
morte. Motivo: excesso de vitamina D. Becky não era a única. Naquele
mesmo ano, o governo dos EUA registrou outros 3 mil casos de crianças
com a chamada hipervitaminose D, que causa danos ao cérebro e aos rins.
Moral das histórias: até algo tão benigno e importante quanto as vitaminas pode ser perigoso se consumido em excesso.
Crescemos ouvindo de nossos pais que devemos comer frutas e verduras
para obter esses nutrientes. É a mais pura verdade. Mas cada vez mais
pessoas decidem pegar um atalho – e tomar suplementos alimentares em
cápsulas. Segundo uma pesquisa feita em 2016 pela Abiad, associação que
reúne os fabricantes de vitaminas, nada menos do que 54% dos lares
brasileiros consomem algum produto do tipo (em 48% dos casos,
vitaminas). O estudo só considera as sete maiores capitais brasileiras,
mas a tendência que aponta é real. Na Inglaterra, quase 50% da população
toma vitaminas em cápsulas. No Japão, 60%. Nos EUA, 68%. O que poucos
sabem, no entanto, é que consumir esses produtos raramente traz
benefícios – e pode causar complicações que vão de um simples mal-estar
até risco aumentado de câncer e doenças cardiovasculares.
Algumas pessoas devem, sob orientação médica, tomar vitaminas:
grávidas, idosos, atletas e obesos que fazem cirurgia de redução de
estômago, por exemplo. “Mas a maioria dos que tomam suplementos não
pertence a essas categorias”, diz Eliseo Guallar, médico da Universidade
Johns Hopkins e autor de dezenas de estudos sobre vitaminas. São
pessoas que se alimentam mal – ou acham que fazem isso –, e buscam nos
multivitamínicos uma forma de compensar. Se você estiver na dúvida, pode
ir ao médico e pedir um exame de sangue para saber se está desnutrido.
Mas, muito provavelmente, não está. Isso porque, se você de fato tiver
alguma carência vitamínica, vai perceber. Os sintomas não são nada
sutis.
Reportagem: Ricardo Lacerda e Bruno Garattoni
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