Em 1973, o americano Robert King foi preso pela terceira vez. A
polícia o levou para a cadeia de Nova Orleans, onde ele conheceu
membros dos Panteras Negras: um grupo que misturava ativismo com
violência e havia matado pelo menos três policiais nos EUA. King se
juntou a eles numa greve de fome para exigir melhores condições
carcerárias. Não conseguiu, e foi transferido para a Penitenciária
Estadual da Louisiana, também conhecida como Angola (no século 19, lá
ficava uma plantação onde trabalhavam escravos trazidos desse país). Ao
chegar, foi colocado na solitária – na qual passaria os 29 anos
seguintes. Foram três décadas incrivelmente, absurdamente, sozinho. King
recebia as refeições por baixo da porta e só podia sair do cômodo, de
2×2,5 metros, uma hora por dia (quando ficava isolado numa gaiola de
arame farpado, sem poder falar ou se aproximar dos outros presos).
Em 2001, aos 59
anos de idade, ele foi solto. Ao tentar se readaptar à vida em
sociedade, descobriu que não conseguia mais reconhecer rostos nem seguir
rotas para ir a algum lugar, e se tornou objeto de interesse da ciência
– em novembro do ano passado, King foi convidado a contar sua história
no congresso da Sociedade Americana de Neurociência. O caso dele é
notável porque nunca um ser humano havia sido submetido a um período de
isolamento tão longo e mesmo assim sobrevivido com lucidez para contar
como foi. A solitária geralmente enlouquece suas vítimas, e há razões
concretas para isso. Estudos com ratos de laboratório revelaram que um
mês isolado deforma o hipocampo (região cerebral que coordena a formação
de memórias), desregula a atividade da amígdala (ligada ao medo e à
ansiedade), mata 20% dos neurônios do cérebro – e, após o primeiro mês,
começa a destruir as conexões entre os que sobraram. Um mês representa
bem mais tempo, na vida de um rato, do que um mês na vida humana. Mas,
em ambos os casos, a conclusão é a mesma: isolamento prolongado tem
conse-
quências neurológicas.
quências neurológicas.
Ficar sozinho pode fazer muito mal. E não só para
quem está trancafiado numa cela. Você já deve ter se sentido solitário, e
sabe o quão desagradável isso é. A solidão pode ser objetiva, ou seja,
derivada de um isolamento real, ou subjetiva, uma sensação criada pela
mente (esse tipo de solidão se manifesta, por exemplo, quando nos
sentimos sós mesmo estando cercados de outras pessoas). Em ambos os
casos, ela é um alerta do organismo para que busquemos a companhia de
outras pessoas, o que aumenta nossas chances de sobrevivência. Isso era
tão verdadeiro na Pré-História (o homem das cavernas precisava da ajuda
do grupo para caçar e se defender de predadores) quanto é no mundo de
hoje – se você não fizer networking, fica muito mais difícil conseguir
um bom emprego. A novidade é que, por motivos ainda não elucidados, a
solidão parece estar aumentando – a ponto de se tornar uma epidemia. Nos
EUA, nada menos que 76% das pessoas apresentam níveis moderados ou
altos de solidão, segundo um estudo da Universidade da Califórnia1.
Na década de 1980, cada americano tinha em média 2,94 amigos “do
peito”. Em 2011, a média nacional havia caído para apenas 2,03 amigos
próximos. Na Inglaterra, 66% da população apresenta sintomas de solidão
crônica; e quase 50% das pessoas acham que o mundo está ficando mais solitário.
Não há números a respeito no Brasil, mas os indicadores mais relevantes apontam na mesma direção. Entre 2004 e 2014, o
número anual de divórcios aumentou 250% (12 vezes mais que o aumento no
número de casamentos). Entre 1991 e 2019, a quantidade de pessoas que
moram sozinhas subiu 340% (dez vezes mais que o crescimento da população
como um todo).
Em suma: a solidão é onipresente, e está crescendo. O
problema é que ela mata. Solitários têm 29% mais chances de sofrer de
doenças cardíacas; 32% mais risco de ter um AVC; e são 200% mais
propensos a desenvolver Alzheimer. Em mulheres solitárias, a
reincidência de câncer de mama é 40% maior, e a propensão à letalidade
chega a 60%. Quem já experimentou um grau elevado de solidão tem três
vezes mais chances de cair em depressão2. Somando todos os fatores envolvidos, a solidão crônica (ela
é medida pelo UCLA Loneliness Scale, teste que foi desenvolvido pela
Universidade da Califórnia e você pode fazer no final desta página) aumenta
em até 50% o risco de morrer, segundo uma pesquisa publicada pela
psicóloga americana Julianne Holt-Lunstad, que analisou os dados de 148
estudos3.
A solidão é mais letal do que a obesidade (que eleva
em 20% o risco de morrer) e o alcoolismo (30% a mais de risco), e
consegue ser tão nociva quanto o tabagismo; é tão mortal quanto fumar 15
cigarros por dia. Mas quase ninguém se dá conta disso. “Apesar de estar
associada a altos índices de mortalidade, a solidão é uma questão de
saúde pública amplamente
ignorada”, afirma a psicóloga Michelle Lim, do Centro de Pesquisas em
Ciências Cerebrais e Psicológicas da Universidade de Swinburne, na
Austrália, e especialista no assunto.
Mas como a solidão, um fenômeno psicológico, pode
ter efeitos tão profundos sobre o resto do organismo, a ponto de matar? E
por que ela se tornou uma epidemia no mundo moderno?
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