Coronavírus: 'A situação é grave? E minhas encomendas da China?', 15 perguntas sobre o surto
Com o aumento das notícias sobre a epidemia causada pelo novo coronavírus,
cresce também a difusão de mentiras, boatos e mesmo o uso político da
situação por determinados grupos. Circulam nas redes sociais noticias dizendo que o governo chinês
perdeu o controle sobre a situação e supostos médicos dando soluções mágicas para prevenir e até curar uma infecção pelo vírus. A imprensa comercial também colabora com esse cenário caótico
divulgando textos absolutamente especulativos, que auxiliam os criadores
de boatos a dar um aspecto de realidade a suas postagens.
Assim para melhor informar, vamos publicar aqui matéria da BBC News Brasil, que reuniu as principais perguntas levantadas por leitores, espectadores e especialistas e dá respostas que se baseiam em dados oficiais divulgados pelo governo chinês
e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), informações de profissionais
de saúde consultados pela reportagem e estudos publicados por
cientistas ao redor do mundo.
O que é esse vírus?
O novo
vírus foi chamado de 2019-nCoV, uma sigla em inglês para o ano em que
ele surgiu, "n", de novo, e "CoV", de coronavírus. Inicialmente as
doenças são batizadas com códigos, e depois ganham nomes mais populares,
como "gripe aviária".
Os coronavírus (micróbios cuja aparência
remete a uma coroa) são uma ampla família de vírus, mas sabia-se que
apenas seis deles infectam humanos. Com o novo descoberto, são sete.
Um
deles é o causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave (conhecida pela
sigla em inglês Sars), que matou 774 das 8.098 infectadas em uma
epidemia que começou na China em 2002.
"Há uma memória forte da Sars, e é daí que vem muito
medo, mas nós estamos muito mais preparados para lidar com esses tipos
de doenças", afirmou Josie Golding, da Wellcome Trust, organização não
governamental sediada no Reino Unido.
A Síndrome Respiratória do
Oriente Médio (Mers, na sigla em inglês), que matou 858 dos 2.494
pacientes identificados com a infecção desde 2012, começou a ser
transmitida para humanos por dromedários.
A situação é grave?
A
OMS classificou inicialmente o risco global como moderado, mas, depois
de ser criticada, disse ter errado e passou a falar em risco elevado.
Para
afirmar isso, leva em conta elementos como a gravidade da doença, a
velocidade de disseminação e a capacidade de combatê-la.
Apesar
disso, ainda não há dados suficientes para afirmar com certeza se
estamos lidando com uma gravidade semelhante à da Sars, por exemplo.
O que dizem os dados?
Toda
nova doença dessa magnitude desperta desconfiança da população.
Questiona-se se é possível confiar nos dados divulgados oficialmente e
se o governo está escondendo algo. E as redes sociais facilitam a
disseminação tanto de dúvidas quanto de informações falsas.
De
fato, na crise atual, o prefeito da cidade chinesa de Wuhan, epicentro
do surto, admitiu não ter sido transparente em relação à dimensão e à
gravidade da doença quando ela surgiu, em dezembro.
De todo modo, cabe agora analisar as informações disponíveis.
Até
o momento, foram confirmados 5.974 casos da doença, menos de cem deles
fora da China, em outros 16 países. Ao menos 132 pessoas morreram, todas
em território chinês.
Mas isso é muito ou pouco?
Qualquer
conclusão agora seria precipitada. O que se sabe até o momento aponta
para uma doença que mata em torno de 3 pessoas a cada 100 infectadas.
Mas os números mudam todos os dias, não se tem um retrato completo da
situação ao longo de um grande período de tempo e mutações podem ocorrer
e tornar a doença mais grave.
Para comparação, a chamada gripe
sazonal mata 0,1 pessoa a cada 100 infectadas. Outros dois coronavírus, a
Sars matou quase 10 a cada 100 e a Mers, 35 a cada 100.
Mas se essas duas doenças eram mais perigosas, como elas foram contidas?
"Esses
agentes com altíssima virulência usualmente levam a que se tome medidas
de restrição de movimentação e isolamento dos doentes, por isso essas
doenças ficam contidas", explica Fernando Spilki, presidente da
Sociedade Brasileira de Virologia.
Ou seja, se os números atuais
estiverem corretos, estamos diante de uma gripe muito pior que a chamada
sazonal, mas ainda bem mais branda do que vimos com a Sars ou a Mers.
Segundo
Spilki, doenças com taxa de morbidade menor tendem a se espalhar mais
porque demandam medidas de contenção menos restritivas.
Quem corre mais risco de contrair a doença?
Cerca de 25% dos casos do novo coronavírus são graves.
A China divulgou dados mais detalhados sobre as primeiras 24 pessoas que morreram: 16 homens e 8 mulheres.
Em
média, as vítimas tinham 72 anos e morreram depois de 11 dias
internadas. A mais nova tinha 36 anos e morreu quase duas semanas depois
de dar entrada no hospital. As duas mais velhas tinham 89 anos.
Diversos países adotaram a triagem de passageiros em aeroportos para conter o surto
Ao menos nove dessas pessoas já estavam com a saúde fragilizada por outras doenças, como diabetes ou Parkinson.
Ainda assim, vale lembrar que todos esses dados são
iniciais e não permitem tirar conclusões precipitadas sobre eventuais
grupos de risco.
O que se sabe é que, normalmente, pessoas com
saúde já abalada com, por exemplo, problemas respiratórios
pré-existentes tendem a ser mais vulneráveis a complicações. Pacientes
muito jovens e com idade avançada também costumam ser afetados de
maneira mais grave.
A transmissão é rápida? Passa pela tosse?
Todo novo vírus preocupa, e há dois grandes motivos para isso.
O
primeiro é que pouco se sabe sobre qualquer novo vírus. De qual animal
ele passou para o homem, o quão agressivo ele é, se é altamente
contagioso ou não etc.
O segundo é que grande parte da população
ainda não terá imunidade para combater sintomas e evitar a transmissão.
Ou seja, praticamente todo mundo que é exposto contrai a doença — mas
nem todos os infectados desenvolvem os sintomas.
Em geral, todos
os vírus que afetam o trato respiratório são transmitidos pela via aérea
ou pelo contato da mão com a boca ou com os olhos, por exemplo.
Respirando no mesmo ambiente, tocando algo que uma pessoa infectada
tocou.
Até agora, a grande maioria dos casos do novo
coronavírus registrados foram transmitidos entre pessoas com contato
próximo, como familiares e profissionais de saúde.
Estima-se que no surto atual cada pessoa infectada passou a doença para menos de três pessoas, em média.
A
doença pode ser transmitida antes de aparecerem os sintomas, algo que
demora até duas semanas. Isso, claro, não é incomum em outros vírus, mas
preocupa bastante.
Como se detecta se a pessoa está doente?
Em
geral, numa doença como esta se utilizam amostras de secreção
respiratória levadas ao laboratório. Ali, são utilizadas técnicas de
detecção de material genético viral para identificar a presença do
agente infeccioso.
"A capacidade de fazer testes é cada vez maior,
porque há mais laboratórios e máquinas dedicadas a isso, e isso eleva o
total de casos. Também aumenta porque a transmissão segue ocorrendo, e
não há nenhuma evidência de que foi interrompida. Então, o número de
casos vai crescer nos próximos dias, infelizmente", explicou à BBC News
Brasil o médico sanitarista e epidemiologista brasileiro Jarbas Barbosa,
diretor-assistente da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e
ex-chefe da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2015 e
2018.
O Ministério da Saúde brasileiro afirmou que o país está preparado para detectar o vírus.
O que o Brasil está fazendo em relação à doença?
Depois
que a OMS mudou o patamar do risco global ligado ao novo coronavírus, o
Ministério da Saúde decidiu os critérios para o monitoramento de
possíveis casos.
Desde o início do surto, houve mais de 7.000 rumores no Brasil de pacientes que teriam o vírus, informou a pasta.
Antes,
o governo federal considerava apenas pessoas que haviam passado pela
Província de Hubei, onde fica Wuhan e que concentra a maioria dos casos
na China.
Agora, passou a considerar a China inteira.
O
governo federal também anunciou ter elevado a classificação de risco do
país do nível 1, de alerta, para o nível 2, de perigo iminente. A escala
vai até o nível 3, de emergência de saúde pública, quando são
confirmados casos de transmissão no Brasil.
Três casos, até agora,
foram tratados como suspeitos pelas autoridades, mas apenas um
permanece sob investigação — uma estudante de 22 anos em Belo Horizonte
(MG). Outras duas suspeitas, uma em São Leopoldo (RS) e outra em
Curitiba (PR) já foram descartadas.
E se algum caso for confirmado no Brasil?
"Não
podemos ser alarmistas. Não é estranho que uma pessoa que veio da
região onde o vírus está sendo transmitido esteja infectada. Mesmo que
isso se confirme, acredito que haverá apenas casos esporádicos e que o
vírus provavelmente não se disseminará", afirmou à BBC News Brasil o
infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Por enquanto, transmissão é restrita entre pacientes e seus familiares e profissionais de saúde
É arriscado importar produtos da China?
Em geral, os coronavírus sobrevivem pouco tempo no ambiente.
Isso
ocorre por causa do envelope, uma camada com gordura em volta do vírus,
que o torna vulnerável a um simples detergente, por exemplo.
O
Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos afirmou que
não há, até agora, nada que indique qualquer risco associado à
importação de produtos industrializados e ou de origem animal.
"Em
geral, por causa da baixa sobrevivência dos coronavírus em superfícies,
há um risco muito baixo de disseminação por meio de produtos ou
embalagens enviadas ao longo de dias ou semanas em temperatura
ambiente."
De todo modo, o órgão disse estar monitorando a
situação em constante evolução e que qualquer informação nova sobre o
caso será incluída em suas recomendações (disponíveis em inglês neste site).
Há vacina ou remédio contra a doença?
Até
agora, não. Em geral, vacinas levam quatro ou cinco anos para serem
desenvolvidas. E uma vacina vale para um vírus específico.
Atualmente,
há pesquisadores tentando inventar processos que gerem vacinas em
semanas e mesmo que levem a uma vacina universal para todos os tipos de
gripe. Mas, mesmo que venham a ter sucesso, isso ainda está longe de se
tornar realidade.
Também não há ainda um remédio para o novo
coronavírus. Todo o tratamento atual lida com os sintomas, que em geral
começam com uma febre, e depois de uma semana passam a incluir tosse
seca e falta de ar.
Se a situação não piorar, as pessoas infectadas têm se recuperado em até uma semana.
Mas, se piorar, o vírus pode causar pneumonia, insuficiência respiratória aguda e até a morte.
Quem for infectado uma vez pode ter a doença de novo?
Em geral, quem é infectado por um coronavírus passa a estar imunizado contra uma nova infecção do mesmo vírus.
Mas não há informações precisas sobre o surto atual.
OMS disse que ainda é cedo para declarar surto como emergência global
Qual é a melhor forma de proteger? É usando a máscara?
Depende
da máscara. Segundo especialistas, os modelos mais usados pelas pessoas
nas ruas são pouco eficazes para impedir a circulação do vírus. Isso
porque elas não vedam bem e são porosas.
Mas há modelos mais avançados, usados por profissionais de saúde, que podem ser mais eficazes, como os classificados de N95.
O
uso de máscaras é uma medida complementar de segurança para evitar
contrair ou transmitir o vírus. Especialistas recomendam lavar bem as
mãos e cobrir a boca ao tossir ou espirrar — mas com papel ou lenço,
nunca com as mãos. Recomendam também evitar aglomerações e manter um
estilo de vida saudável, que fortalece seu sistema imunológico.
De que animal veio o vírus?
O
início do surto tem sido associado pelas autoridades chinesas a um
mercado em Wuhan. Ali, eram vendidos tanto animais vivos quanto já
abatidos. Mas não se sabe ainda qual deles está ligado ao novo
coronavírus.
Segundo Spilki, presidente da Sociedade Brasileira
de Virologia, este é mais um vírus que chega à espécie humana por causa
de impacto ambiental.
Ao desmatar, degradar o ambiente e ampliar a
proximidade de animais silvestres para alimentação, recreação ou
estimação, o homem se aproxima de vírus com os quais não tinha contato
nem imunidade. Se expõe ao que ele chamou de uma nova virosfera.
Estima-se que mais de 1,5 milhão de vírus circulem na vida selvagem do planeta. E que só conhecemos cerca de 3.000 deles.
Quando vai ocorrer o próximo surto?
Estudos apontam que a cada ano surgem cerca de cinco novas doenças. E esse número tem crescido.
Segundo
Alisson McGeer, ex-diretora de controle de infecções do hospital Mount
Sinai, um dos mais tradicionais dos Estados Unidos, há só três coisas
inevitáveis neste mundo: a morte, impostos e epidemias de gripe.
E é só questão de tempo até a próxima.
"Novos
vírus de influenza aparecem todos os anos, porque têm a característica
de sofrer mutações muito rápido — e também já vimos que os coronavírus
também têm, porque, no intervalo de 16 anos, é o terceiro desta família
de vírus que surge. Então, é possível que isso ocorra de novo daqui a um
ano, 10 anos ou 50 anos, é impossível prever exatamente quando. E não
há nenhuma medida que possa eliminar essa possibilidade", afirmou
Barbosa, da Opas e ex-Anvisa.
Qual será o impacto na economia global?
Economistas hesitam em falar em números nesse estágio inicial do surto.
Mas
é possível identificar qual forma o impacto terá e observar os danos
econômicos causados por episódios similares no passado, especialmente o
caso da Sars entre 2002 e 2003, que também começou na China.
Uma estimativa indica que o custo do surto de Sars à época para a economia mundial foi de US$ 40 bilhões (R$ 167 bilhões).
No
surto atual, já é possível perceber alguns dos danos econômicos.
Restrições para viagens foram adotadas para milhões de pessoas em uma
época em que muitas pessoas viajam, o Ano Novo chinês. O impacto na
indústria do turismo é claro, mas ainda não é mensurável.
A rede de cafeterias Starbucks decidiu fechar metade de suas unidades no país.
Outros
países e empresas também passaram a adotar restrições à China, como a
companhia aérea British Airways, que suspendeu todos os voos para o
país.
Também vai haver um custo financeiro com o tratamento dos
doentes, que será pago por planos de saúde, pelo governo (onde há
sistema público de saúde) e por pacientes.
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