
De algum modo os filhos compõem em seu
imaginário o que representamos, pois, sem sabermos damos a eles significados e
simbolismos. No entanto, para isso não tem manual. Se tivesse, as normas não
serviriam para as edições seguintes, pois filho é sempre inédito.
Ser pai, em verdade, é começar
necessário e terminar nulo. No intervalo, cumprir o papel de andarilho que
sinaliza caminhos, embora eles escolham por vontade própria, desacreditando de
que saibamos alguma coisa. A intimidade parece ser demolidora do mito paterno.
É que a natureza humana é autoral. Portanto, a dor e a experiência só vêm de
autoria própria, apesar de sermos devotos da proteção dos filhos e enxergamos o
que a inocência e ousadia da juventude desconhecem. Calejados, sabemos que o
mundo é um moinho, com armadilhas. Mas alertar sem exceder, orar no escuro, e
esperar mesmo o que nos corrói terminar, é sabedoria e ofício da paternidade.
Ser pai é corrigir seus defeitos –
melhor não listar - na nossa versão melhorada, que são eles. Não lhes dando o
legado de nossa imperfeição. E esperar que tudo, afinal, encontre sua razão de
ser, inclusive, meu Deus, as músicas sertanejas. Ou o quarto de refugiado com
cerveja e violão. Ser pai é estar perto o suficiente para ser aceiro e longe o
bastante para permitir o crescimento. Afinal o pai deve morrer para que eles se
afirmem.
Com o tempo aprendemos a coletar na
memória uma participação que não tínhamos na criação dos filhos, uma intimidade
que é recompensa e especiaria, os instantes luminosos que compõem o luminário
da vida inteira.
É contar histórias inventadas antes do
sono que eles repetirão aos seus filhos, nos perpetuando. E fazer memória das
coisas improváveis, seja andar de bicicleta numa rua ligeiramente fria, ou ver
o show do
mesmo
ídolo do rock.
Alguns pais, como os de meu tempo, são
eternos caçadores de javali e sonegam este tempo a seus filhos, ou melhor, a si
mesmos. Perdem o tempo de ser herói, declinam da chance de ser exemplo e não
deixam pontes para a travessia quando apenas a amizade unir as margens no
futuro.
Ser pai é amar sem esperar, dar sem
troco, ter afeto de inventor, trazer em fios de corda todas as orações e todos
os santos de todos os mistérios, enquanto finge todas as certezas que não tem.
É lembrar que ser pai é ser bom, sem
medo de exigir. Pois, conceder, apenas, não é ser pai.
É ser a possibilidade de socorro quando
vier o medo, ou a dúvida, pois sua falta - eu sei - é apenas desamparo. E
lembrar que o abraço, inegável, deve ser sempre o abrigo que acolhe e reedita,
como a sentença de absolvição. Pai, é, sim, atitude de definir escolhas,
limites éticos, o orgulho do trabalho e de ser grande consigo mesmo, o dever de
ser honesto, a precisão de fazer o necessário. E ensinar os vinhos das melhores
safras.
Ser pai é ir diluindo-se, esvanecendo,
fazendo sua carpintaria tão bem feita que haverá, um dia, de ser apenas um
legado, não mais uma necessidade, e, por ter sido bem sucedido, guardar,
satisfeito e anônimo, sua desimportância como um troféu olímpico. Como guardo
meu pai. Como gostaria de ser guardado.
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