“Por que eu
estou aqui de jaleco branco, enquanto esse sujeito está fumando crack?”
Foi essa a
pergunta que surgiu na cabeça do neurocientista Carl Hart, em 1998, enquanto
ele tomava notas de suas observações para a pesquisa sobre efeitos do crack que
estava realizando no Hospital da Universidade Columbia, em Nova York.
Hart era um
cientista respeitável de Columbia, com três pós-doutorados, o primeiro negro a
ser contratado como professor titular na área de ciências desta que é uma das
melhores e mais tradicionais universidades americanas. O homem à sua frente era
negro também, também na quarta década de vida, embora sua expressão indicasse
muito mais idade. Era um vendedor ambulante, que tinha o hábito frequente de
fumar crack nas ruas de Nova York, e que tinha concordado em participar da
pesquisa em troca de droga grátis e algum dinheiro.
Os dois não
poderiam estar em situação mais diferente. Mas Hart sabia bem que, por pouco,
ele próprio tinha escapado do destino do outro. É essa a história que ele conta
no livro Um Preço Muito Alto, que demole vários mitos sobre o crack.
Como ele escapou
Nos anos 80,
quando estava no ensino médio, num bairro pobre de Miami, o pai alcoólatra, a
mãe desequilibrada, cada um numa casa, a vida sem perspectivas, Hart traficava
maconha. Ele circulava com um fuzil no porta-malas, ameaçava brancos que se
aventurassem pelo bairro, roubava baterias de lojas de autopeças e televisores
da casa dos vizinhos.
Por sorte (e
por ser jogador de basquete e futebol americano e, portanto, correr bem), nunca
foi pego. Se fosse, a ficha suja acabaria com suas chances de sucesso. A
maioria das pessoas à sua volta – amigos e família – saiu-se pior. Uns se
afundaram no crack, outros mofaram na cadeia. Um morreu com um buraco de bala
numa execução na rua.
Hart usou
drogas e tomou todas as decisões erradas possíveis. Mas encontrou um caminho
para uma vida produtiva, de pagador de impostos e educador da juventude. “Foi
sorte”, admite. Mas não só sorte. Hart se salvou agarrando-se a oportunidades
que apareceram. Primeiro: ele tinha jeito com matemática – e descobriu ainda
adolescente o prazer de ser bom em algo.
Segundo: teve
na família algumas referências sólidas de valores. Uma avó ensinou-lhe a ética
do trabalho duro, outra transmitiu-lhe a importância de obter uma educação.
Graças a isso, quando terminou o ensino médio e se deu conta de que o sonho de
ser atleta profissional não passava de ilusão, ele teve forças para entrar na
Força Aérea. No quartel, pôde começar uma faculdade, viajar o mundo e conhecer
algumas referências de negros de sucesso, algo que não existia em seu bairro.
Terceiro: ele
teve chances. Havia vagas em universidades de primeiro time para gente
talentosa que viesse de uma vida miserável. Hart foi estudar na prestigiosa (e
caríssima) Yale, com bolsa. Encontrou mentores que o guiaram e descobriu que,
além do talento matemático, ele tinha capacidade de observação e habilidade
para fazer cirurgia cerebral em ratos de laboratório. E aí uma carreira
acadêmica se abriu para ele.
Ele decidiu
tornar-se especialista nos efeitos do crack, para entender como a droga tinha
destruído sua comunidade. E virou um neurocientista improvável, com seus
dreadlocks e os três dentes de ouro, lembranças dos tempos de pobreza.
Enquanto Hart
avançava na carreira, um incômodo crescia. Ao mesmo tempo em que se aprofundava
nos dados científicos, ele acompanhava o debate público sobre a droga. Todo
mundo dizia que o crack transformava pessoas em zumbis. Que era uma epidemia se
alastrando. Que viciava logo na primeira vez que alguém experimentasse. Que
matava em poucos anos e que transformava gente comum em criminosos.
O problema é
que nenhuma dessas certezas tão repetidas estava de acordo com o que ele
observava no laboratório. Clck no link e
leia mais no Super Interessante.
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