
A vida segue, então, simples, afetiva, distraída, e isto não é
pouco nestes tempos de conexão continua, tensão virtual e vigilância
permanente. Sim, porque o mundo não tem mais lugar para distrações,
inocências e permanências. Somos transitórios, em permanente
autopromoção e, cada vez mais, desprovido de singelezas. A delicadeza,
esta especiaria que a educação e a generosidade deram ao humano, está
sendo substituída por uma objetividade igualitária e engajada, que
apenas enfeia e empobrece a convivência e o cotidiano. Somos, cada vez
mais, mergulhadores do raso.
Aos poucos, estamos nos
convencendo que nada é perene, portanto, se falível, findável, não é
merecedor de investimentos que custem esforços ou doações. Condicionados
a receber, antes de dar; certos que temos direitos permanentes de
admiração, vamos escasseando as relações, emudecendo dizeres e elogios
desinteressados.
A extensão da desfiliação dos
sentimentos é tão grande que, nós, todos, pragmáticos da sobrevivência,
estamos nos deixado contaminar por esta forma de ser e nos isolando, nos
tornando duros e reativos, secos e de poucas emoções profundas. Em
permanente autodefesa, vamos desaprendendo os gestos que iluminam o dia
de alguém.
Domingo, caminhava no calçadão da Barra,
quando, em frente ao Edifício Oceania, um senhor, fez aquela curva, de
bicicleta, meio desequilibrado. Passou por mim e logo adiante caiu. Era
uma daquelas bicicletas que agora se aluga nas ruas e ele, claramente,
tinha idade avançada e alguma dificuldade para manter-se aprumado.
Alguém, mais próximo que eu, o ajudou a levantar-se. Ele não
se constrangeu, justificou algo, mas foi preciso que o rapaz o
ensinasse em que posição ele devia colocar o pedal para facilitar
recomeçar a andar. Era visível que estava com pressa e disposto a
continuar. Foi, então, quando ele se preparava para sair, que o rapaz
recolheu do chão, algo que havia caído da pequena cesta presa ao guidom,
e lhe entregou: um ramo de flores.
Ele o pegou,
agradeceu muito, recolocou no lugar e saiu titubeando, mas em frente, em
sua bicicleta. Nunca vou saber quem ele é, nem para quem havia comprado
o ramalhete, mas, pela rapidez, e cuidado, era certamente alguém que
ele tinha desejo e urgência de encontrar, e agradar, até mesmo se
arriscando a pedalar já sem muita habilidade.
De
repente, tendo o sol e o mar, como testemunhas, mas sem que nunca venha
a saber o que fez, o velho ciclista anônimo, tornou meu domingo uma
pequena obra de arte, pela lição e imensa delicadeza de me mostrar que
ainda se oferece flores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário