O calçadão do Porto Barra, a mais
icônica praia, de Salvador, revitalizado pelo prefeito, testemunha que a
cidade precisa ser pensada para as pessoas. Reformada, tornou-se ponto
de encontro e lazer. Eu mesmo, aos domingos, quando estou na capital,
gosto de ir de uma ponta outra, vendo gente de todo tipo. Vez por outra,
tomo uma água de coco, revejo as águas límpidas onde vi o mar pela
primeira vez, aos dez anos. Ou me distraio olhando a areia onde um
grupo de idosos estabeleceu sua arena e disputa um saudável jogo de
petecas. Noutras, acabo no novo Barravento, para tomar um caldo de
sururu enquanto observo a escandalosa beleza do mar, ali.
A vida segue, então, simples, afetiva, distraída, e isto não é
pouco nestes tempos de conexão continua, tensão virtual e vigilância
permanente. Sim, porque o mundo não tem mais lugar para distrações,
inocências e permanências. Somos transitórios, em permanente
autopromoção e, cada vez mais, desprovido de singelezas. A delicadeza,
esta especiaria que a educação e a generosidade deram ao humano, está
sendo substituída por uma objetividade igualitária e engajada, que
apenas enfeia e empobrece a convivência e o cotidiano. Somos, cada vez
mais, mergulhadores do raso.
Aos poucos, estamos nos
convencendo que nada é perene, portanto, se falível, findável, não é
merecedor de investimentos que custem esforços ou doações. Condicionados
a receber, antes de dar; certos que temos direitos permanentes de
admiração, vamos escasseando as relações, emudecendo dizeres e elogios
desinteressados.
A extensão da desfiliação dos
sentimentos é tão grande que, nós, todos, pragmáticos da sobrevivência,
estamos nos deixado contaminar por esta forma de ser e nos isolando, nos
tornando duros e reativos, secos e de poucas emoções profundas. Em
permanente autodefesa, vamos desaprendendo os gestos que iluminam o dia
de alguém.
Domingo, caminhava no calçadão da Barra,
quando, em frente ao Edifício Oceania, um senhor, fez aquela curva, de
bicicleta, meio desequilibrado. Passou por mim e logo adiante caiu. Era
uma daquelas bicicletas que agora se aluga nas ruas e ele, claramente,
tinha idade avançada e alguma dificuldade para manter-se aprumado.
Alguém, mais próximo que eu, o ajudou a levantar-se. Ele não
se constrangeu, justificou algo, mas foi preciso que o rapaz o
ensinasse em que posição ele devia colocar o pedal para facilitar
recomeçar a andar. Era visível que estava com pressa e disposto a
continuar. Foi, então, quando ele se preparava para sair, que o rapaz
recolheu do chão, algo que havia caído da pequena cesta presa ao guidom,
e lhe entregou: um ramo de flores.
Ele o pegou,
agradeceu muito, recolocou no lugar e saiu titubeando, mas em frente, em
sua bicicleta. Nunca vou saber quem ele é, nem para quem havia comprado
o ramalhete, mas, pela rapidez, e cuidado, era certamente alguém que
ele tinha desejo e urgência de encontrar, e agradar, até mesmo se
arriscando a pedalar já sem muita habilidade.
De
repente, tendo o sol e o mar, como testemunhas, mas sem que nunca venha
a saber o que fez, o velho ciclista anônimo, tornou meu domingo uma
pequena obra de arte, pela lição e imensa delicadeza de me mostrar que
ainda se oferece flores.
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