terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O ciclista com flores


O calçadão do Porto Barra, a mais icônica praia, de Salvador, revitalizado pelo prefeito, testemunha que a cidade precisa ser pensada para as pessoas. Reformada, tornou-se ponto de encontro e lazer. Eu mesmo, aos domingos, quando estou na capital, gosto de ir de uma ponta outra, vendo gente de todo tipo. Vez por outra, tomo uma água de coco, revejo as águas límpidas onde vi o mar pela primeira vez, aos dez anos. Ou me distraio olhando a areia onde um grupo de idosos estabeleceu sua arena e disputa um saudável jogo de petecas. Noutras, acabo no novo Barravento, para tomar um caldo de sururu enquanto observo a escandalosa beleza do mar, ali.

A vida segue, então, simples, afetiva, distraída, e isto não é pouco nestes tempos de conexão continua, tensão virtual e vigilância permanente. Sim, porque o mundo não tem mais lugar para distrações, inocências e permanências. Somos transitórios, em permanente autopromoção e, cada vez mais, desprovido de singelezas. A delicadeza, esta especiaria que a educação e a generosidade deram ao humano, está sendo substituída por uma objetividade igualitária e engajada, que apenas enfeia e empobrece a convivência e o cotidiano. Somos, cada vez mais, mergulhadores do raso. 


Aos poucos, estamos nos convencendo que nada é perene, portanto, se falível, findável, não é merecedor de investimentos que custem esforços ou doações. Condicionados a receber, antes de dar; certos que temos direitos permanentes de admiração, vamos escasseando as relações, emudecendo dizeres e elogios desinteressados.

A extensão da desfiliação dos sentimentos é tão grande que, nós, todos, pragmáticos da sobrevivência, estamos nos deixado contaminar por esta forma de ser e nos isolando, nos tornando duros e reativos, secos e de poucas emoções profundas. Em permanente autodefesa, vamos desaprendendo os gestos que iluminam o dia de alguém.

Domingo, caminhava no calçadão da Barra, quando, em frente ao Edifício Oceania, um senhor, fez aquela curva, de bicicleta, meio desequilibrado. Passou por mim e logo adiante caiu. Era uma daquelas bicicletas que agora se aluga nas ruas e ele, claramente, tinha idade avançada e alguma dificuldade para manter-se aprumado.

Alguém, mais próximo que eu, o ajudou a levantar-se. Ele não se constrangeu, justificou algo, mas foi preciso que o rapaz o ensinasse em que posição ele devia colocar o pedal para facilitar recomeçar a andar. Era visível que estava com pressa e disposto a continuar. Foi, então, quando ele se preparava para sair, que o rapaz recolheu do chão, algo que havia caído da pequena cesta presa ao guidom, e lhe entregou: um ramo de flores.

Ele o pegou, agradeceu muito, recolocou no lugar e saiu titubeando, mas em frente, em sua bicicleta. Nunca vou saber quem ele é, nem para quem havia comprado o ramalhete, mas, pela rapidez, e cuidado, era certamente alguém que ele tinha desejo e urgência de encontrar, e agradar, até mesmo se arriscando a pedalar já sem muita habilidade. 

De repente, tendo o sol e o mar, como testemunhas, mas sem que nunca venha a saber o que fez, o velho ciclista anônimo, tornou meu domingo uma pequena obra de arte, pela lição e imensa delicadeza de me mostrar que ainda se oferece flores.

Nenhum comentário: