A verdade é
que a vida não existe mais como a vivemos e sim como a editamos e publicamos,
construindo narrativas que serão vistas por nossos seguidores conhecidos e
desconhecidos das redes sociais. Por isso não basta apenas um registro
ocasional, mas fotografar os dias de forma compulsiva e repetitiva, produzindo
dezenas de fotos de uma mesma situação até encontrar a que julgamos mais
perfeita, que será, ainda, aperfeiçoada pelo fotoshop e filtros do instagram e
similares, antes de lançada ao escrutínio da multidão.
Estamos vivendo
uma espantosa cultura da aparência, antes do conteúdo; do mostrado antes do
vivido; do narrado, antes do memorizado. O registro externo dispensa a memória
de guardar e imortalizar o instante, pois, ele será compartilhado e arquivado
em nuvens e arquivos, tornando-se mais significativo não pela experiência per
si, mas por quanto likes e curtidas conseguiu produzir. Já não somos o fato,
mas a versão.
Desde que,
em 2013, o Dicionário Oxford anunciou que um novo verbete - selfie- seria
incluído em suas páginas tive plena certeza que o apocalipse da discrição havia
se instalado e ovo da serpente tinha sido chocado. Lógico que muitos usam
as redes para fins profissionais e há, acreditem, os que usam com moderação,
mas a grande parte se dedica a um exibicionismo cansativo depois de tantas
poses repetidas e pratos fotografados. A vida virtual, com todo seu falso
glamour e felicidade, desperta inveja digna de merecer tiro, porrada e bomba, e
torna-se impositiva de um estilo de vida impossível de ser sustentado. Todos,
ao fim, querem ser iguais e a vida um enredo único e hedonista.
Para manter
o ritmo – afinal, as poses sofrem de senilidade precoce-, e a vida atualizada,
os usuários, especialmente os jovens, produzem fotos em quantidades industriais
e exercem um apurado serviço de controle de qualidade da linha de montagem. Ao
fundo, todos têm a esperança que sua vida editada seja tão atraente
quanto o que achamos que os outros imaginam.
Estamos
vivendo com o que chamo de geração fotoholic, capaz de arriscar a vida
por uma curtida. Há pesquisas que mostram que 33% dos jovens fazem selfie
quando dirigem; relatos de cirurgia pra aparecer melhor e, inclusive,
inacreditavelmente, mortes: queda de ponte, edifício, chifrado por touro,
eletrocutado em trilho do trem, baleado com pistola, caindo do Taj Mahal, em
uma perigosa obsessão pela imagem perfeita. Segundo um site americano as
mulheres (entre 16 e 25 anos) gastam 5 h semana em selfie, com uma média de
três fotos ao dia. Elas fazem 7 selfies antes de achar a melhor, sendo
que 1/3 faz pose sexy para atrair pretendente, 14% usa selfie para causar
inveja. O estudo indica que 72% dos entrevistados tiram fotos com familiares e
amigos. Em segundo lugar está “eu com fundo de paisagem ou natureza” (34%),
seguido de “eu sozinho” (29%).
Algumas
pesquisas ligam a selfie à insegurança e objetificação do indivíduo.
Segundo o psicólogo Jesse Fox, “Pessoas que têm um grau alto de
auto-objetificação postam mais selfies, o que leva a mais feedback dos amigos
online, o que os encoraja a postar ainda mais fotos de si mesmos.”.
O fenômeno
cultural do “selfie” expõe assim um desejo humano de se sentir notado,
apreciado e, finalmente, reconhecido e flerta com o pecado preferido do diabo:
a vaidade. Há uma mistura de costumes, informação, sendo uma manifestação
social que traz o risco de resvalar para o culto excessivo a aparência,
transformando a vida em uma espécie de reality-show narcísico, com
personais-seguidores- inclusive a Receita Federal-, que muitas vezes resulta em
um ego inflado na suposta idealização que tudo que o rodeia é aceitação e
aplauso, sendo muitas vezes difícil escapar do autoengano.
Como em
todo lançamento comportamental a geração fotoholic ainda precisa aprender a
dosar o uso das opções da internet para saber a exata medida que separa
compartilhamento saudável de obsessão vaidosa e suplemento carencial.
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