segunda-feira, 18 de outubro de 2021

“Deixe o paciente falar”!

“Hoje, acordei sentindo uma dorzinha. Aquela dor sem explicação e uma palpitação! Resolvi procurar um doutor”.
Mas nestes dias de hoje, cheios de tecnologia, mas vazios de calor humano, eu me lembrei das palavras que o Dr. Welf disse à sua neta, também formada médica: “Deixe o paciente falar”. Sim, porque mais que a cura da doença, o ser humano moderno precisa da cura para sua alma, para o seu tédio, para a sua solidão. E para tanto, exames, remédios, não bastam. É necessário calor humano, tipo assim, “um dedim de prosa”.
“Qual o seu plano? Perguntaram-me. Ah! O meu plano é viver mais e feliz! É dar sorrisos, aquecer os que sentem frio e preencher esse vazio que sinto agora”!
Vivemos tempos em que as pessoas morrem de solidão mesmo cercadas por multidões. Não há tempo para um “dedim de prosa”. O doutor precisa ganhar tempo, pois precisa atender uma quantidade exaustiva de pacientes para fazer um salário que possa lhe dar um padrão de vida mínimo, condizente com a sua formação profissional. Ele sabe que, conversando, pode descobrir muito sobre o paciente e sobre as patologias que ele tem e às quais está exposto. Pode fazer um diagnóstico mais preciso e prescrever o exato medicamento. Mas, ele não tem tempo.
“Entrei, olhei e me surpreendi. Rosto trancado, triste e cansado. Será que estava adoentado? É, quem sabe, talvez gripado. Não tinha um semblante alegre, provavelmente devido à febre. Sobre a mesa a sua frente um computador e no seu semblante a sua dor. Parecia mais doente do que eu, o paciente”.
E aí eu me lembrei do meu antigo doutor. Que conversava comigo, entendia os meus dilemas, se interessava pelos meus problemas, compreendia a minha dor e prescrevia amor. Era uma figura querida, que em nossa casa sempre era bem acolhida, mesmo que fosse para visitinha informal, tomar um cafezinho, conversar um pouquinho, etcetera coisa e tal.
“Peça autorização desses exames. Tomografia Computadorizada, Ressonância Magnética e Cintilografia! Ai meu deus! Que agonia! Eu só conhecia uma tal de abreugrafia. Só sabia o que era ressonar (dormir), de magnético eu conhecia um olhar e o cintilar das estrelas”.
Não! Não é mais o meu antigo doutor. É alguém estranho, triste, vazio e sem aquele magnetismo pessoal que encantava seus pacientes.
Alguém sem o cintilar das estrelas, sem ressonância para os meus queixumes.
“Oh! Meu Deus! Cuide do meu médico e de mim, caso contrário chegaremos ao fim. Porque da consulta só restou, uma requisição digitada em um computador e o olhar vago e cansado do Doutor”.
 
Cristóvam Aguiar 

*Esse texto (publicado em 2011) contém trechos entre aspas do poema “Onde Andará o meu Doutor”, de Tatiana Bruscky - Recife/PE.

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